A pandemia que estamos vivendo coloca na ordem do dia várias pautas que necessitam ser revisitadas e reformadas, sendo que uma é essencial para garantir a nossa sobrevivência com dignidade: como o cidadão consegue construir sua cidadania, num espaço em que seus desejos e necessidades só serão atendidos se tiverem o consentimento do chamado poder local.
Precisamos criar nos municípios uma cultura em que os cidadãos possam propugnar e se transformarem em sujeitos históricos da sua autotransformação econômica, social e cultural, assim como das próprias cidades onde vivem. Com isso poderão dialogar com os prefeitos, vereadores e autoridades constituídas, participarem da gestão pública de suas respectivas cidades e assumirem a corresponsabilidade deste patrimônio coletivo.
Na medida em que surjam,nos municípios,espaços que permitam a criação de equilíbrios necessários para a manutenção e o florescimento da vida será possível contrapor os espaços de mortes existentes no país.
São valores que se sustentam centralizados nas mãos de oligarquias obscurantistas, baseados ainda m paradigma colonial Casa Grande e Senzala, e se mostram incapazes de dar respostas aos desafios que nos estão colocados. Denunciar concretamente estes valores e seus efeitos danosos é prioridade se quisermos preservar a vida.
Neste contexto, foi com grande pesar que assistimos em Piracicaba, na última semana, iniciativas de segmentos do poder local para driblarem a legalidade inédita que vivemos hoje, em função do vírus da morte que não escolhe classe social, cor da pele, idade e orientação sexual.
A partir de uma iniciativa, no mínimo estranha porque absolutamente questionável do ponto de vista legal e de sua eficácia, a Câmara de Vereadores aprovou, a toque de caixa, com apenas um único e corajoso voto contrário, a Emenda da Lei Orgânica n.25, de 19 de maio de 2020, com o objetivo de dar mais autonomia ao poder Executivo no enfrentamento da pandemia.
Diante de um cenário econômico desesperador tanto para empregados como empregadores, criou-se a ilusão de que a volta da normalidade será o remédio a curto e médio prazos para combater a Covid-19. Esta parece ser a avaliação que leva à apresentação e aprovação da emenda, felizmente já questionada judicialmente, pois parece claramente inconstitucional.
Sabendo-se da inexistência de vacinas ou remédios efetivos para combater o coronavírus, argumenta-se que as ações governamentais de âmbito municipal e estadual têm se limitado, como único caminho, ao isolamento social.
Além disso, para reforçar a posição dos que anseiam a abertura do denominado comércio não essencial não faltam comparações esdrúxulas, realizadas pelo governo federal, que envolvem países desenvolvidos, com ampla rede de saúde e de equipamentos hospitalares e com uma população menor do que a da cidade de São Paulo.
Busca-se, de forma atabalhoada e a qualquer custo, amparo legal para a flexibilização do comércio local não essencial, mesmo que essa ação, no momento, confronte o princípio da isonomia inserido em nossa Constituição Federal.
Alega-se que o fechamento das atividades econômicas, como o único remédio para tentar impedir a circulação das pessoas, levará à mortalidade de empresas e ao aumento exponencial do desemprego.
É sintomático que esse processo de mortalidade das empresas e dos empregos, essa tendência entrópica do sistema não tenha sido pensado pelo poder local com criatividade, coragem e responsabilidade, virtudes necessárias para o enfrentamento da atual conjuntura pandêmica.
Focar só na flexibilização da lei permitindo a reabertura dos negócios, como se fosse possível voltar ao passado recente, mesmo com o risco de aumento de contaminação e mortes, é tentar sobreviver amanhã para morrer depois de amanhã.
Esse caminho não é estranho, mas de fôlego curto, pois enseja que o futuro seja construído com a lógica do presente que continuará aprisionado.A quem interessa percorrer esse caminho?
Por que nossas autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário, lideranças empresariais, sindicais e políticas, não buscam o caminho da vida?
Por que a Acipi, o CDL e outras entidades congêneres não articulam, com setores organizados da sociedade civil, uma ampla defesa dos empreendedores, industriais, comerciantes, comerciários e empregados?
Uma frente com este propósito poderia exigir que os empréstimos anunciados pelo governo às empresas médias, pequenas e microempreendedores cheguem de fato aos que precisam, o que até agora não está acontecendo. Não é possível mais se ficar refém dos discursos de que não se concretizam por falta de vontade política.
A propalada liberação de recursos pelo governo federal não significa sua liberação aos que pleiteiam, pois a gestão destes recursos ficou sob a custódia dos bancos e de sua lógica estruturada para a garantia do sistema e se deus lucros.
Esses empréstimos, no contexto da vigência da pandemia, para salvar empresas e empregos, deveriam ficar por conta do governo federal, pois constituem um necessário socorro do Estado brasileiro às empresas e em última instância à sobrevivência das pessoas.
“As dificuldades impostas por Paulo Guedes, tanto aos estados quanto às empresas são recorrentes, que se fica sem saber se é questão de incompetência ou de boicote”, escreveu o jornalista econômico Luis Nassif em texto recente.
O momento exige a construção de um novo pacto social, em defesa da vida e dos negócios. Piracicaba merece uma articulação propositiva e inclusiva, na qual caibam todas as pessoas e da qual se excluam os projetos mesquinhos, demagógicos ou eleitoreiros.
É urgente que as lideranças da cidade, de todos os segmentos, sejam chamadas a dialogar e pensar, coletivamente, alternativas que tenham como valor máximo a proteção da vida.
Dorgival Henrique é professor universitário e ex-diretor da FGN/Unimep.
Paulo Roberto Botão é jornalista, mestre em comunicação social e professor universitário.
Concordo plenamente com a análise feita pelo Professor Paulo Roberto Botão e Prof. Dorgival Henrique. Liderança, capacidade de diálogo, sensibilidade humana e disposição efetiva para tomar decisões e apoiar diretamente e buscar, articular o apoio de todas as forças/órgãos/entidades possíveis existentes no Município … tudo isso feito com a máxima urgência e prioridade que a situação exige no combate à pandemia Covid-19 na tentativa de salvar Vidas !! MUITAS VIDAS !!! Não falo em NÚMEROS, FALO EM VIDAS !! Filhos, pais, mães, irmãos, tios, avós, netos, primos, sobrinhos, amigos queridos. Realmente aí está um conjunto de qualidades essenciais que se espera do responsável pelo Poder Executivo Municipal, talvez, pelo que se percebe concretamente o Prefeito seja mais um daqueles Economistas que valorizam mais o Deus Mercado e o Lucro do que Vidas. Infelizmente para muitos setores econômicos-financeiros da nossa cidade, para praticamente a totalidade da Câmara de Vereadores (exceto uma Vereadora) e especialmente para o Prefeito de Piracicaba parece que estamos “vivendo” em um outro planeta. Triste, muito, muito distante de cumprir de fato o papel pró ativo e responsável que seria de se esperar. Quem sofre com tamanha indiferença? Prof. Ulisses Rosa – Químico.