Em todo esse processo de desmonte da UNIMEP – e da venda progressiva das várias instituições metodistas de educação – há quem diga que será difícil encontrar culpados. Pessoas a quem se possa responsabilizar por fatos que, na verdade, são fruto de um processo de décadas, e que apenas tomou forma e efetivamente se transformou em realidade nos últimos anos.
Parece-me uma tese pertinente. O descarte do projeto educacional é um plano da Igreja Metodista, via seus órgãos decisórios e lideranças eclesiásticas, que vem sendo desenvolvido especialmente desde o início deste século. Aqueles que se dispuseram a aplicá-lo foram apenas instrumentos a seu serviço, subservientes a ordens e decisões maiores que apenas deveriam ser cumpridas – e estão sendo. A Igreja tem patrimônio suficiente para salvar todos as escolas, se assim o quisesse, se esta fosse a compreensão da importância de seu compromisso identitário, desde as origens do metodismo com John Wesley. Trata-se de uma mudança de rumo que precisará ser melhor analisada no futuro, naturalmente relacionada ao crescimento de uma ala carismática dentro da denominação religiosa, de um alinhamento mais à direita e menos crítica na vida nacional, da pouco valorização da ciência e da educação – ao contrário dos primórdios da implantação da educação metodista no Brasil.
Neste final de semana, um bispo emérito da Igreja – João Alves de Oliveira Filho, que inclusive presidiu o Colégio Episcopal entre 2002 e 2006 – se tornou a primeira voz da hierarquia superior a admitir os erros, a alertar para seus efeitos deste final melancólico que está sendo dado às escolas, inclusive para a própria Igreja. “Não me iludo. Outras vendas ocorrerão. É o desmanche histórico. Que pena! Não estou lamentando o “leite derramado”, mas a nossa insensibilidade administrativa.
Culpados? Vai ser difícil, pois poderá incorrer-se nas questões que envolveram a serpente, Adão e Eva. Prefiro relativizar e dizer que somos nós, pois não tratamos responsavelmente as questões das nossas Instituições”.
Dentro da mudança de perfil dos próprios bispos que decidem sobre os rumos da Igreja, a palavra de João Alves ganha especial relevância. Porque ele não fala apenas dos efeitos deste descarte da educação secular – como os metodistas denominam a rede de suas escolas – mas também da própria formação de novos fieis, cada vez em menor número nesta denominação religiosa. Afinal, como ele mesmo reflete em seu texto pode ser que o “vende-se” chegue também às escolas dominicais, uma tradição evangélica em que as igrejas oferecem aulas em seus templos, em classes formadas a partir da idade de seus participantes, nos domingos pela manhã, num processo de formação religiosa. É uma palavra dura, corajosa, que se desloca para além das reações daqueles não metodistas que estudaram, trabalharam, ajudaram a construir um patrimônio educacional cujo fim vem causando profunda indignação.
Não se sabe ainda, como reagirão aqueles que hoje comandam o processo de desativação/venda das escolas – no momento inclusive determinado pela lógica de profissionais da área jurídica, financeira e imobiliária contratada a peso de ouro pela Igreja – às palavras do bispo. A Igreja sempre manteve uma postura de respeito a eles, embora internamente as divergências há muito sejam conhecidas. Tomara a palavra de João Alves seja apenas um gatilho para que outros, até agora silenciados, se manifestem. Talvez ainda seja possível salvar ao menos a memória e a história das escolas.
Segue abaixo, o texto do bispo João Alves de Oliveira Filho na íntegra:
A LINDA PIRACICABA CHORA.
Não nego que gosto e admiro a música raiz, faz parte da minha criação e de vez em quando, ouço algumas delas. Gosto da simplicidade e originalidade destas canções. Deparei-me com a música da dupla Tião Carreiro e Pardinho, que no final da canção afirma: “A linda Piracicaba chora a morte do trovador…”. O personagem da música tinha o apelido de Parafuso, residente em Piracicaba e foi chamado de o “Rei do Cururu”.
Conforme diz a música, a cidade de Piracicaba, além de ser mencionada em outra canção referente ao “Rio de Piracicaba”, chora a partida do trovador. O meu imaginário me alfinetou: Piracicaba chora a partida da Unimep do Campus Taquaral.
Volto ao passado e relembro. O Colégio Piracicabano e a Unimep fizeram parte da minha formação e atuação pastoral ao longo da minha caminhada Metodista. Cheguei ao Colégio Piracicabano em 1969 para cursar o 2º grau e o Seminário Regional e dali para a Faculdade de Teologia onde me formei e iniciei minha caminhada, como pastor e Bispo. Saliento que no livro, “Vieram e Ensinaram” da Jornalista Beatriz Vicentini Elias, referindo-se ao Colégio que completava 120 anos, fui convidado a ter uma participação sobre minha passagem pela Instituição. Rabisquei algumas palavras.
Sobre a Unimep, vários momentos que marcaram minha atuação como Bispo. Destaco que todos os Concílios Regionais sob minha supervisão ocorreram na Instituição, além de encontros de igrejas locais, Congressos de Escolas Dominicais, de Jovens, de adultos etc. Bons momentos vivenciados pela Igreja Metodista – 5ª Região Eclesiástica, assim como, por outras entidades.
Tudo era construído através do diálogo, agendamento, parceria e determinação. O Prof. Almir de Souza Maia, o Dr. Gustavo Jaques Dias Alvim, ambos de saudosa memória e o Prof. Rev. Ely Eser Barreto César nos tratavam com atenção redobrada, e juntamente com os administradores, funcionários/as nos proporcionavam um tratamento indelével. Tudo construído pensando o melhor para a Igreja: as acomodações, refeitório, área de lazer, etc. Nunca detectei nenhuma anormalidade. Que bom quando pensamos o melhor para a Igreja. Gratidão a estes irmãos.
Pois bem. Conforme já citado, Tião Carreiro e Pardinho, em sua canção, afirmam que Piracicaba chorava a partida do trovador. E nós? Igreja, cidade de Piracicaba, professores/as, alunos/as, ex-alunos/as, funcionários/as, autoridades, pastores e pastoras, também choram a partida da Unimep? Há de se ressaltar que o nome Unimep correu o Brasil, e quiçá a América Latina, o mundo, pela qualidade do ensino, competência de seus professores/as, atuação de seus funcionários/as, e também pelo esporte quando da formação do time de basquete feminino com nomes que projetaram a cidade e a Instituição. Bons tempos.
Peço desculpas, me sinto constrangido, porém a transparência tem que fazer parte da nossa identidade Metodista. A Unimep é a segunda Instituição que leva o nome Metodista a ser desativada e colocada à venda. Volto na história e relembro que com a chegada dos/as primeiros/as missionários/as no Brasil, um dos objetivos primordiais era a criação de uma escola. Estavam preocupados com uma educação diferenciada e embasada nos princípios confessionais. Segundo consta aulas eram ministradas em caixotes improvisados como mesas e as missionárias compartilhavam o que recebiam com as professoras que se prontificavam em ensinar. Martha Watts, uma desbravadora da educação que o diga. A criação de escolas também chegou com os/as missionários/as.
Tudo que foi construído ao longo dos anos no âmbito educacional está escapando das nossas mãos. Incompetência? Teimosia? Descaso? Falta de diálogo? Fisiologismo? Despreparo? Acomodação? Falta de experiência? Amadorismo administrativo? Enfim, falamos em educação, porém não a valorizamos. Muitas vezes transferimos para o Espírito Santo atuar por nós. Como o Espírito Santo pode atuar em nossa incompetência? E…… me ajude aí, mudando um pouco de referência: faço votos que nossas Escolas Dominicais também não passem pelo crivo: “vende-se”. Aliás, parece-me que em algumas Igrejas elas não existem mais. É a falência da nossa capacitação bíblica, histórica e doutrinária. Surge a pergunta: Ainda há espaço para a Escola Dominical?
E fica a mesma pergunta: Instituições Educacionais para que? Enquanto não valorizamos as nossas instituições de ensino, estamos criticando outros modelos educacionais e não saímos da arquibancada. É bom ficar lá, pois é um local prazeroso e de profunda acomodação.
Não me iludo. Outras vendas ocorrerão. É o desmanche histórico. Que pena! Não estou lamentando o “leite derramado”, mas a nossa insensibilidade administrativa.
Culpados? Vai ser difícil, pois poderá incorrer-se nas questões que envolveram a serpente, Adão e Eva. Prefiro relativizar e dizer que somos nós, pois não tratamos responsavelmente as questões das nossas Instituições. Como diz o profeta: “Não deram ouvidos às minhas palavras”.
É bem provável que alguns estão batendo palmas… outros/as de acordo com a música de Tião Carreiro e Pardinho: A LINDA PIRACICABA CHORA… CHORA A PARTIDA DA UNIMEP. As lágrimas banham os arranhais do Campus Taquaral e somente a história reviverá em nosso imaginário o que foi esta Instituição.
E a Igreja? Está chorando? Não sei. Que se abram os olhos, pois o “vende-se” poderá respingar em nós, porém, ainda creio na misericórdia divina.
Dedico este texto e sua simplicidade à Unimep que foi um dos suportes em minha caminhada pastoral e episcopal. Registro o meu reconhecimento.
Rev. João Alves de Oliveira Filho.
Bispo Emérito da Igreja Metodista -5ª RE.
Beatriz Vicentini é jornalista.
(Foto de capa: Alexandre Bragion).