Pelas ruas de São Paulo

Pelas ruas de São Paulo

Folha de SP

 

Participei diretamente do movimento político e de conflitos de rua no final dos anos 70 e início dos 80 em São Paulo – que contribuíram para a retomada democrática de então. Acumulo ainda, como jornalista e editor, razoável noção de como funcionam os interesses ideológicos e principalmente econômicos na mídia. O que ocorreu nesta 5.a feira (14/jun.), nas ruas da capital paulista, e o modo como a grande imprensa vem tratando essas manifestações – inicialmente contra o aumento da tarifa dos ônibus – me reavivaram muitas lembranças. E fez-se o cheiro, pr’além do gás lacrimogêneo, de que o que vem em curso ainda está por ser devidamente analisado.

Em 1984, a Globo deslavadamente ignorou 1,5 milhão de pessoas no comício pelas ‘Diretas Já,’ na Praça da Sé, noticiando-o como mero festejo do aniversário da cidade, naquele 25 de janeiro. O fato há muito virou case no estudo do nosso jornalismo. Obviamente, a mobilização atual não chega a esse grau de participação. Mas beira o absurdo o descompasso entre a ênfase do noticiário centrado no ‘vandalismo’ dos manifestantes (cuja palavra de ordem mais ouvida hoje foi “sem violência, sem violência”…) com a percepção daquilo que realmente estão conclamando esses jovens.

Nesta 5.a-feira, ante a disposição de uma massa – sem liderança efetiva – em se conduzir de modo pacífico, a ferocidade da repressão policial foi aterradora. Quem esteve lá pôde comprovar. E comparar, depois, aquilo ocorrido com o que vai nos editoriais e nas manchetes noticiosas. Com dois efeitos garantidos: radicalizar ânimos e estimular ainda mais mobilização.

Em pleno descalabro nacional com gastanças e desvios de recursos e provas de despreparo do setor público e manipulação midiática para eventos como a Copa das Confederações, visita do papa e Copa do Mundo – de profundos interesses financeiros e políticos – o país começa a dar mostras, pelo menos o percebe a imprensa estrangeira, de certo descortinamento da propalada passividade do brasileiro.

As redes sociais, inexistentes nos meus anos de militância, certamente vão conferir uma condução toda própria a esse atual processo, em contraste com as bandeiras mais ‘objetivas’, ainda que tão maniqueístas, do meu tempo.

O que está por acontecer, naquilo deflagrado pelas manifestações contra o ‘banal’ aumento de 20 centavos na tarifa do ônibus, talvez traga muitas surpresas. Aqui em São Paulo cresce a mobilização desse movimento sem dono, como que efeito de gasolina no fogo dado pela estupidez da reação policial. A vesguice das lideranças políticas do município e do estado também vem a galope. Uma única certeza: durante processos como esse só se pode ter garantia de que ‘algo’ significativo está em curso. Mas não há nenhuma segurança sobre onde tudo irá desaguar.

Apesar do perseverante esforço do Congresso Nacional em nos fazer desacreditar no exercício político, parece que uma inusitada prática política de setores da sociedade está em curso. E, literalmente, caminha pela via pública!

A percepção é de que o rei está nu: no exercício do poder, seja ele do PT, PSDB ou outro ‘P’ qualquer. A hora H do ‘vamos-ver’ nivela todos por baixo –  e os interesses da população ficam para trás.

—————————

Heitor Amilcar

 

 

 

 

 

Heitor Amilcar é jornalista. Sócio proprietário da Jacintha Editores.

———————

(foto: Folha de São Paulo – folha.uol.com.br)

4 thoughts on “Pelas ruas de São Paulo

  1. O texto aborda algumas questões interessantes. O papel da mídia ao longo da História foi de dar sustentação ideológica aos donos do poder. O jornal nacional e a Rede Globo “determinam” a pauta da imprensa. Portanto, o jornalista Heitor conseguiu desnudar de forma brilhante ( tanto na forma como conteúdo) como os meios de comunicação tratam os fatos sociais. Se enganam aqueles que pensam que a ideologia de paz e do brasileiro como um povo pacífico colocou um ponto final na relação entre Estado e sociedade. A ideia, de que as instituições do executivo e legislativo são suficientes para atender os anseios do povo,enquanto, este trabalha e aguarda pacificamente seus problemas serem resolvidos estão sendo enterrada. A população não está lutando por 20 centavos como escreve a imprensa comprometida com um projeto. Nem só futebol, samba e carnaval levam milhares as ruas.
    José

  2. Também participei nas ruas de manifestações que me fizeram correr de bombas.
    Abusando da ironia, não eram tão “chiques”. Aconteciam na nossa querida Avenida São João. E os motivos eram bem outros.
    Não acontecem por acaso e do nada.
    Análise lúcida e competente. Importante para esse espaço no Diário do Engenho.
    Parabéns, Heitor.
    Parabéns, Alê.

  3. Heitor, brilhante suas colocações.

    No início dessa baderna, aqui de longe, parecia absurda a ação popular. Agora, com tudo que estamos vendo, a coisa é muito séria. E, certamente, você fez um depoimento muito importante .
    Será que ainda teremos orgulho de ser brasileiros?? Com tantos “Ps” a manobrar esse povo que vota em troco de qualquer “promessa”…tenho minhas dúvidas.

    Abraço a você e Alexandre pela atitude !

  4. o povo busca mudanças a tempos e apos décadas de aquietação popular um estopim acendeu os ânimos para manifestações, necessárias e justas, o que falta é limites para a imprensa não jogar no chão o valor de instituições publicas essenciais para a ordem da sociedade, evoluir ou renovar a qualquer custo não me parece uma boa escolha, a melhor é o voto e isso erramos todos os anos por falta de pessoas íntegras para compor o quadro de eletivos, enquanto isso os atuais donos do povo preparam uma PEC 37 que passa desapercebido pela grande massa, PEC que é isso? Brasil!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *