A religião cristã nasce da ruptura mais profunda com a lógica da violência. Jesus Cristo sofreu um processo brutal, marcado por fragrante injustiça e por desmedida violência. Ele é a vítima inocente, o bode expiatório, que é condenado e sacrificado sumariamente, em um jogo viciado de cartas manipuladas por algozes que não tinham compromisso com a justiça e que, diante da verdade, decidiram lavar às mãos, evidenciando que toda omissão e indiferença consiste também em cumplicidade.
A violência extrema e sem limites desferida contra Jesus é a mesma brutalidade cotidiana e diabólica que se levanta contra a proposta da vida como encontro e possibilidades. É uma violência simbólica, que procura desconstruir – disseminando ódio, racismo e mentiras – a profunda verdade que reluz na postura cheia de altruísmo e solidariedade. Mas é também uma violência concreta, que busca aniquilar a existência de toda diversidade, brutalizando e agredindo os corpos. A história de Jesus não deixa de ser exemplar, na medida em que contempla os dilemas da humanidade.
Mas se o cristianismo encontra na violência sua antítese fundacional, simbólica e ritualizada, ele também instaura uma nova lógica, na experiência da vida como entrega, serviço, doação e o mais profundo amor. A vida como dom de si, na dinâmica de servir e amar ao próximo de maneira incondicional. Na perspectiva cristã o amor e a compaixão suplantam, em absoluto, todas as formas de ressentimento, bem como todas as expressões de violência que rebaixam e impedem a vida de se expandir e florescer.
O impressionante relato de um Deus que amou tão profundamente sua criação que resolveu fazer morada com ela. A vida, os gestos e as palavras de Jesus remetem ao princípio da compaixão. Em Jesus, Deus assume a condição existencial, compartilhando do destino do ser humano e abrindo para que cada pessoa também compartilhe da condição divina, por meio das possibilidades do amor. Jesus Cristo é Deus no meio de nós, ensinando que o sentido da vida está no amor compassivo. Esse é o caminho para que a vida sempre se renove e se refaça, que ressuscite com os ciclos da natureza, em cada primavera.
Sob o domínio do fundamentalismo, o ressentimento, a mentira e o ódio tendem a persistir na concepção da religião como produtora de violência, que ameaça a vida humana e a natureza. Mas apesar dos desvios do contemporâneo, a Páscoa de Jesus continua afirmando a ética da compaixão, ressaltando o primado do amor. As alegrias, sofrimentos e dores que tocam a existência singular do outro devem alcançar a humanidade em seu conjunto. A capacidade compassiva de sentir com o outro, com a natureza, na dinâmica da existência compartilhada, é o único caminho para a renovação social e transcendental da vida.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba, doutor em filosofia e mestre em Ciências da Religião. adelino.oliveira@ifsp.edu.br
Excelente reflexão!