No Brasil parece que os partidos políticos têm donos. Talvez essa seja uma antiga herança do tempo dos coronéis. É um certo coronelismo com ares de modernidade. Coronelismo travestido de liderança legítima. Nesse neocoronelismo o poder econômico continua se impondo sobre a política. Os partidos são meras propriedades à serviço não de projetos e concepções políticas, mas de interesses comezinhos de poder. Controlando os partidos, personagens, quase caricaturais,buscam perpetuarem-se no poder.
São os partidos de quadros que dominam o cenário político no Brasil. Quadros não no sentido de lideranças políticas genuínas, que formulam perspectivas de sociedade e fazem a luta cotidiana, mas no sentido daquelas figuras, quase que folclóricas, que se apossam, por meio do domínio econômico, da estrutura partidária para se manterem nos espaços de poder e decisão. Nesse caso o partido torna-se apenas um instrumento para alavancar projetos individuais. A dimensão coletiva e da participação mais ampla são escanteadas a partir de interesses individuais e obtusos.
O mais interessante é pensar nas possibilidades históricas de construção de partidos de massa, aqueles que se tornam verdadeiros espaços de encontro, formação teórico-prática e de luta, visando a realização de projetos políticos coletivos, comprometidos com a real transformação da sociedade. No partido de massa, livre de personalismos e vaidades, a liderança é sempre colegiada, tendo os militantes populares como os grandes protagonistas do processo político. Definir, neste caso, quem lidera ou ocupa os espaços de poder ou eletivos é resultado de uma avaliação estratégica, que se dá no âmbito das organizações e coletivos, cujos atores são livres, autônomos, críticos, num ambiente profundamente democrático.
O partido de massa não tem dono, não é o lugar para o novo coronel exercer seu pequeno poder, impondo seu domínio. Em uma relação horizontalizada, livre de hierarquias, no partido de massa o pertencimento partidário acontece a partir de uma identificação de classe e de pautas comuns de luta. A liderança legítima é sempre popular. Aliás o partido de massa passa a ser o instrumento de luta para que a classe popular alcance o poder político, com o objetivo de promover a transformação social.
A questão central e urgente consiste agora em se democratizarem os partidos, rompendo com a hegemonia imposta por esse desvio político que é o neocoronelismo. Como instrumentos de luta, os partidos não podem reproduzir a lógica de uma sociedade tão profundamente hierarquizada, controlada por aqueles que detém o poder econômico, sempre opressor e desumanizador. Em uma outra dinâmica de poder, os partidos devem se compor como espaços democráticos, sendo estruturas para que as lideranças populares e comunitárias ocupem os lugares de decisão e de poder, rompendo com a hegemonia dominante. Enfim, o partido popular não pode ser o reflexo ou a expressão do que é mais decadente e vil nas relações sociais, ou seja, a desigualdade, o aniquilamento e a exploração.
A partir de sua concepção profundamente democrática e participativa, a própria estrutura do partido de massa responde ao problema da ausência de diversidade e representatividade étnica, de gênero e classe. No partido de massa o protagonismo político cabe aos seus membros no sentido mais amplo e inclusivo. Opressores ou aqueles que se apropriam dos espaços para a obtenção de vantagem, para subjugar, não podem ter lugar ou vez, sob pena do distanciamento das organizações populares das utopias verdadeiramente revolucionárias.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.
adelino.oliveira@ifsp.edu.br