Passada uma semana desde que se soube da decisão da UNIMEP em suprimir cursos em Piracicaba e fechar o campus de Santa Bárbara, a página da instituição continua no ar em um universo paralelo, que nada diz sobre o assunto. Sobram, então, como de caráter oficial, as poucas entrevistas concedidas pelo atual reitor. Poderia ser uma simples leitura do responsável pela Universidade, caso o reitor também não acumulasse o cargo de presidente da Rede Metodista de Educação, uma esfera de poder criada pela Igreja Metodista, em 2006, que passaria a gerir e controlar todas as instituições de ensino em funcionamento – interferindo não apenas em questões administrativas e financeiras, mas também pedagógicas e filosóficas.
Alunos passaram a ser “clientes”, professores foram expulsos de suas áreas de encontro e organização, o lucro foi apontado como ponto prioritário para sustentação e sobrevivência das escolas, inclusive as centenárias. Naturalmente, para responder pela tal Rede, que exigiu inclusive alterações legais envolvendo a responsabilidade formal das escolas pelas despesas e déficits umas das outras, foram nomeadas pessoas tidas como altamente qualificadas pelo mercado e de completa confiança da cúpula metodista.
Num desastre que veio se desenhando desde então, a Rede se mostrou ineficiente, incapaz inclusive de uma administração comercial que gerasse lucro – mesmo que isso representasse a negação de todos os princípios básicos da Igreja Metodista. Acumularam-se dívidas, desrespeitaram-se acordos trabalhistas, professores deixaram de receber salários em dia, imóveis começaram a ir a leilão por exigência judicial para quitação dos débitos, os cursos e estruturas foram sendo sucateadas a pouco e pouco, as matrículas – como não poderia deixar de ser, diante de uma decadência palpável – despencaram, num processo ampliado pela crise do ensino brasileiro. Alertas de experientes metodistas, comprometidos com gestão de escolas, com histórico envolvimento com processos pedagógicos, foram simplesmente ignorados pela cúpula dos bispos metodistas.
Neste quadro o atual, o reitor da UNIMEP foi levado a assumir a presidência da Rede, ao final de 2020 – acenando com mudanças, que nunca se concretizaram no sentido de mudar o caos de desorganização e desmando envolvendo as escolas metodistas.
Feitas estas reflexões, veja-se o que é possível sintetizar a partir especialmente da entrevista por ele concedida a este Diário do Engenho e aqui publicada no dia 25 de fevereiro:
- Se a UNIMEP sobreviver, ela claramente se transformará em uma instituição de ensino superior semelhante a tantas outras. Suas opções se farão exclusivamente por cursos superavitários, ou seja, aqueles que, em determinada ocasião, estão sendo valorizados pelo mercado de trabalho e que tragam lucro. Esqueçam-se do compromisso anterior da Universidade com a formação de professores, através de licenciaturas, de cursos essenciais de formação cidadã, como Filosofia e História.
- A decisão pela supressão de cursos e encerramento das atividades em Santa Bárbara D´Oeste foi da Igreja, imposta de forma efetiva para que a Universidade “não fechasse de vez”. Sem diálogo, sem informação antecipada para que os alunos pudessem se programar, sem o debate essencial com a participação dos órgãos colegiados. O senhor reitor e presidente da Rede Metodista simplesmente cumpriu tal decisão – provavelmente se não o fizesse apenas aumentaria a lista dos vários reitores que nos últimos 15 anos foram substituídos a cada sinal, mesmo que sutil, de discordância.
- Trata-se de uma decisão não apenas administrativa, mas especialmente financeira, visando garantir que a Igreja não perca bens, imóveis, propriedades. Aqui, vale lembrar um artifício imposto pela Igreja (via Associação da Igreja Metodista), ainda ao final do século passado, tornando sem efeito o comodato que até então exercia com as instituições de ensino, cedendo-lhes o uso das propriedades onde funcionavam as escolas. Por decisão do XVI Concílio Geral, a Igreja passaria, então, a cobrar aluguéis das escolas para uso dos espaços que já ocupavam. O objetivo, inequívoco, ficou registrado nas atas oficiais do encontro daquele ano de 1997: “os locais cedidos às instituições seriam objeto de locação total das áreas, prédios e residências ocupadas pelas mesmas, resolvendo-se de vez a questão de recursos financeiros para a Igreja, que seriam feitos de forma absolutamente legal”. Talvez poucos saibam, mas, desde então, as escolas – todas elas – passaram a pagar aluguéis à Igreja Metodista para ocuparem os espaços que elas mesmas adquiriram, criaram, investiram ao longo de décadas, a partir dos próprios recursos que geravam.
- A visão metodista – reforçada pelo reitor – é que a Igreja “está abrindo mão de seu patrimônio” num projeto de venda de imóveis para arrecadar o suficiente para pagamento de salários, de verbas rescisórias de professores e funcionários. Não é um raciocínio integralmente verdadeiro: ou alguém supõe que a Igreja estará disponibilizando a venda ou aluguel de algum de seus templos para responder a seus credores? Todo o patrimônio que está sendo supostamente negociado é o patrimônio acumulado pelas próprias instituições de ensino, ao longo de sua história, e que, dadas as circunstâncias de não atendimento legal aos direitos trabalhistas, acabariam sendo levadas a leilão pela Justiça. Apenas questão de tempo para sua execução.
- A Unimep, assim como outras instituições, estava no processo de venda. Isso não é segredo para ninguém. O pessoal até brinca que desde que a Unimep surgiu ela está à venda, mas hoje não há nenhuma proposta, nem o interesse da mantenedora em vender”, afirmou o reitor a este Diário online. Em um momento de tantas transações na área educacional, resta aqui uma questão: será que a mantenedora não tem mesmo interesse em vender a UNIMEP, se tantas vezes esse processo – embora negado – tenha sido iniciado e não concluído? Ou simplesmente não tem interesse porque não há interessados? O tempo dirá e confirmará o ato falho do reitor, que, com certeza, não tinha como intenção, ao início da entrevista, dizer que a UNIMEP parece ter estado sempre à venda, desde sua criação. Uma verdade que os metodistas procurarão sempre negar, mas que reflete realmente sua posição com relação a um olhar de pouco orgulho e muita discordância com a primeira universidade metodista da América Latina.
Beatriz Vicentini é jornalista.
(Foto de capa: Alexandre Bragion – 2017)