Caro Ivan.
Você já repetiu que se exilou por sentir-se um estranho no ninho. Insisto, por conta de notícias tristes. Refiro-me à rejeição pela Câmara Municipal, por 13 votos a 7, do requerimento 716/2023 que solicitava uma Audiência Pública para discussão e esclarecimentos sobre o atendimento médico pela UPA Vila Cristina à menina picada por escorpião no dia 11/08. (Notícias que estão no “site” da Câmara e em jornais da terra).
Você vai achar muitas manifestações de vereadores e vereadoras, preocupados (as) com a terceirização de duas unidades de pronto atendimento, com a OSS (Organização Social de Saúde) que as assumiu. Manifestações que passam também por requerimento solicitando informações sobre a OSS, acionamento do Ministério Público, Audiência para análise da estrutura da terceirizada para gestão das UPAs.
Me acompanhe. A menina deu entrada inicialmente na UPA de referência para picadas com escorpião. Posteriormente, foi levada à Santa Casa, outra referência, mas veio a óbito.
Nas notícias, as dúvidas. A UPA tinha o antídoto? O tempo “gasto” para fazer a ficha de entrada foi normal? A classificação “cor de abóbora” para a gravidade era a indicada? O tempo que permaneceu na UPA antes da remoção para a Santa Casa foi adequado? Dúvidas que eu esperava que seriam respondidas na Audiência solicitada no dia 21 – mas o requerimento foi rejeitado.
O tema saúde pública, as preocupações com a terceirização, a tragédia, já seriam, para mim, motivos mais que suficientes para a aprovação do requerimento. O “argumento” de que uma Audiência não tem poder investigativo não me convence. Entendo que ela não tem instrumentos para aprofundar a investigação, mas permitiria, ao menos, abordar as dúvidas, buscar respostas. Essas, convincentes ou não, poderiam ensejar outras medidas, claro. E ao menos a população teria algum retorno rapidamente, afinal a Audiência seria realizada no dia 5/9. E, com ela, o alento de ver algo sendo feito para se esclarecer o triste ocorrido.
A mãe da menina, como a população que utiliza a UPA, precisa ao menos dessas respostas. Alguém picado pelo animal precisa saber se pode confiar nessa UPA ou deve ir direto à Santa Casa (sobrecarga?). Sem esquecer que há outra UPA sujeita à mesma administração. Respostas virão com a CPI (capítulo extra) aprovada na reunião seguinte. Virão também com o acionamento feito por vereadores ao Ministério Público, mas quando? E até lá? A angústia de não saber para onde “correr”, a perda da confiança, o estigma.
Ivan, outro motivo particularmente preocupante que a demora nas respostas trás é o fortalecimento do sentimento da “antipolítica”, pelo reforço do desamparo, um presente para os “aventureiros” antissistema.
Não bastasse a rejeição da Audiência, ainda na sessão que a rejeitou ocorreu uma insinuação absolutamente descabida (para dizer um mínimo), dirigida ao vereador proponente. Reiterada e estendida na sessão seguinte aos que votaram pela realização da Audiência. Ao vereador proponente, bem como às vereadoras e vereadores que votaram pela realização da Audiência, meu reconhecimento e agradecimentos. Você, pequena, descanse em paz.
Meu caro Ivan, o quarto de hóspedes está vago?
Fraterno abraço.
Sergio Oliveira Moraes é físico e professor aposentado ESALQ/USP.