O PT e o reencontro com seu leito histórico

O PT e o reencontro com seu leito histórico

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A indisfarçável crise do PT requer revisões profundas.

Para esse desiderato, antecedendo à reunião do Diretório Nacional do partido, muito contribui a proposta lançada pelo Diretório Estadual do Rio Grande do Sul, propugnando pela convocação imediata do Congresso partidário, com plenos poderes para renovar os métodos organizativos, a direção e a linha política estratégica e programática do partido. A rejeição ao Processo de Eleição Direta (PED), que compõe o posicionamento gaúcho, é fundamental, já que esse mecanismo de eleição da direção, supostamente democrático, tem se revelado um foco de deformação das práticas partidárias: vence quem, pelo poderio material e financeiro, é mais capaz de arregimentar e transportar filiados para votar e não pelo salutar embate de ideias.

A decisão gaúcha é histórica e emblemática, porque unitária; porque assumida por uma seção estadual de grande tradição de lutas, na construção do PT e na experiência institucional; e porque tomada na esteira de um clamor que se amplia a cada dia em razão da insatisfação com a crise partidária interna que se arrasta há anos e que imobiliza o partido diante dos monumentais desafios que se antepõem a ele e à esquerda em geral na atual quadra da vida nacional. A gota d’água foi o desastroso desempenho do PT nas últimas eleições municipais, caindo por terra qualquer outra cogitação para solucionar o impasse que aflige o universo petista.

Para um segmento do partido, representado pelo chamado campo majoritário, ou parte dele, ainda resistente a qualquer mudança de rumos, postulação como a feita pelo PT gaúcho soa traiçoeira porque, no entender desse campo, fragiliza ainda mais a agremiação, compromete a sua defesa e a de Lula e, consequentemente, a luta contra a sanha neoliberal da era Temer que solapa os direitos sociais dos trabalhadores e a soberania nacional. Essa posição é decididamente equivocada e injusta.

Primeiramente, porque o PT, mercê do seu enorme desgaste, que lhe subtraiu fortemente credibilidade e confiança, já não é mais capaz de sustentar, no estágio em que se encontra, um papel de liderança no conjunto das forças democráticas e populares do país. O partido, através de sua direção, segue errático, emitindo, dia sim dia não, comunicados e resoluções que não sensibilizam e movem ninguém, nem mesmo sua própria militância, que dirá para fora de sua linha divisória. A militância petista, conforme se percebe nas mensagens postadas nas redes sociais, exibe a sua tradicional e reconhecida combatividade, mas está completamente desnorteada e dominada pelo voluntarismo porque carece de orientação e plano estratégico de lutas. É um salve-se quem puder, que extrapola para a esquerda como um todo.

E, depois, porque o debate público sobre suas mazelas, seus erros e seus acertos só pode fortalecer o partido – pois ilumina o caminho e permite a fixação de novos métodos organizativos e de novos rumos programáticos e estratégicos, restabelecendo a confiança interna e possibilitando a reconstrução dos laços com a sociedade. A autocrítica que o PT precisa fazer não deve e não pode ser autofágica; tem que ser dura, sem perder, jamais, a ternura. E ela é um dever coletivo e não se circunscreve à direção, pois todos, indistintamente, militantes fervorosos ou não, têm culpa no cartório, senão pelo protagonismo no processo decisório, certamente pela omissão ou pela condescendência. O risco de o debate descambar deve ser prevenido e mitigado por um efetivo pacto interno, subscrito por todas as correntes, organizadas ou não. A preparação e a condução do Congresso poderia, nesse sentido, ser coordenada por uma comissão ad hoc de alto nível e representatividade, nomeada e apoiada pela Direção Nacional.

Como diz o ditado, há que se chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. A condução de um urgente reencontro do PT com seu leito histórico, que o livre dos miasmas que o assombram e o rejuvenesçam pela inventiva e pelo espírito revolucionário, terá que ser levada adiante no calor da luta contra o neoliberalismo e o Estado de exceção que medram no país. Dialeticamente, uma dinâmica haverá de robustecer a outra, e vice-versa. Não podem ser tratadas como antagônicas.

O imediato resgate do PT, nos moldes preconizados pelos petistas gaúchos, é condição sine qua non para requalificar o partido, perante a sociedade e perante os demais parceiros do campo democrático-popular, para seguir tendo um papel construtivo e influente nas duras jornadas de luta que se descortinam pela frente. Afinal de contas, apesar de fragilizado, ele tem raízes nos movimentos sociais, tem experiência vivida e tem uma militância inigualável. E, caramba, tem Lula.

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Antônio Lassance é cientista político e professor universitário.

José Machado é ex-prefeito de Piracicaba e ex-Deputado Federal – PT/SP

Renato Maluf é economista e professor universitário.

Ronaldo Coutinho Garcia é sociólogo.

 

(Imagem: www.pr.org.br)

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