O Natal e a Câmara Municipal (o artigo que não escrevi)

O Natal e a Câmara Municipal (o artigo que não escrevi)

No dia 22/11/2024, em um artigo publicado em “A Tribuna Piracicabana”, fiz o pedido: “Tirem a imagem de Jesus crucificado do plenário da Câmara”– o título era mais curto: “Imagem de Jesus no plenário da Câmara”. Um misto de tristeza e preocupação, o artigo deveu-se à cena protagonizada por dois vereadores, as palavras chulas trocadas, a misoginia para com a esposa de um deles, o quase confronto físico impedido pelos pares – tudo em plena sessão camarária da segunda-feira (11/11), tudo filmado e fartamente divulgado.

Na minha tristeza e preocupação, pedi que se cumprisse a laicidade do estado, que a quase agressão física fora a poucos centímetros da imagem de Jesus crucificado – e o simbolismo dessa proximidade amplificava em um tanto o horror das palavras e cena, que não podia calar-me, e escrevi. Escrevi que era “impensável que o ocorrido passaria em branco, sem a devida apuração quanto à quebra de decoro dos envolvidos, as responsabilizações cabíveis”. Era impensável e esperei. Foi protocolado um requerimento da Procuradoria Especial da Mulher solicitando as providências cabíveis, a apuração pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar e esperei.

Esperei, mas as notícias que chegavam eram sobre a futura eleição para a presidência da Câmara– sobre a quebra de decoro, a mácula à imagem do Homem Jesus, nada. O impensável foi dando lugar a contabilização dos votos, o Natal se aproximando e eu não conseguia escrever um artigo que sonhasse o sonho de Alberto Caeiro – que ainda era um fim de primavera, e eu não queria vê-lo estar sempre a morrer naquele plenário da Câmara. Não, não ali, não depois de tudo que aconteceu e tão próximo –imaginava o Homem na solidão da indiferença que se seguiu, que a preocupação era com os votos. Uma mistura de incompetente e comovido, não consegui sonhá-lo tornado outra vez menino, para sempre longe dali.

E eu que não creio, estendo meu respeito a todas as manifestações do sagrado. Sinto igualmente quando as agressões são às pessoas, aos terreiros das religiões de matriz africana, quando se agride o cemitério indígena na orla do rio, o sagrado da vida da qual fazemos parte –e chamamos natureza– não os distingo. E, se volto a esse ocorrido na Câmara, é para invocar mais uma vez a laicidade do estado brasileiro – a imagem de Jesus, ou qualquer outro símbolo religioso, não deveria estar em um órgão público. Pelo menos a mácula teria sido evitada, ao invés de aumentada.

O ano se iniciou, nova presidência, nova mesa diretora, e na constituição das comissões, de repente fez-se o espanto: os dois vereadores que protagonizaram a cena horrível, foram escolhidos para a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar – um como seu presidente, outro como membro. Sim, a Comissão que deveria ter analisado o ocorrido na sessão camarária de 11/11, que sequer foi acionada, apesar do requerimento solicitando–agora os tem como presidente e membro. Não consigo compreender: ignora-se as cenas, ignora-se o requerimento para apurar se houve ou não quebra de decoro e conduz-se os protagonistas, como presidente e membro, à Comissão que deveria ter dado o parecer. A repetição não ameniza minha incredulidade.

O “impensável que o ocorrido passaria em branco” materializou-se, o espanto entrou na ordem do dia e eu, entre triste e preocupado, só consigo transformar meu pedido em pergunta: “Por que não tiram a imagem de Jesus crucificado do plenário da Câmara?”

 


Sergio Oliveira Moraes, físico, docente aposentado da ESALQ/USP

(Imagem de capa: “Fariseus”, de Duccio di Buoninsegna)

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