O leitor é um E.T.

O leitor é um E.T.

No mês de novembro de 2024 começaram a aparecer os resultados da 6ª. edição da já consagrada pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Fazer retrato é revelar a face. O rosto mostrado pelo que disseram os 5.504 entrevistados em 208 municípios do país não foi, entretanto, o daquele que anda escondido atrás de um livro aberto, olhos atentos (o leitor), mas sim o de alguém avesso a esta prática, no que ela tem de melhor, de mais emancipador. No Brasil, fica claro, o verdadeiro leitor é um E.T., um ser que não faz parte do mundo nas cidades brasileiras.

O brasileiro, em média e em geral, não é um leitor, como talvez não o seja o norte-americano, o italiano, o russo, o sul-coreano, o paquistanês etc., hoje em dia e já há algum tempo. A leitura, afinal de contas, parece que há décadas perdeu o encanto, embora jamais tenha deixado de atrair fiéis seguidores. Mas não deixa de ser adicionalmente preocupante o caso nacional. Afinal, a última pesquisa revela uma perda de quase 7 milhões de leitores – e não se diga compradores de livros, coisa distinta. Constata-se, pela primeira vez, que mais da metade (53%) dos brasileiros não lê livros, seja o formato impresso ou digital.

O buraco, todavia, é mais embaixo. Nos últimos três meses, apenas 27% dos brasileiros cometeram a façanha de ler um livro inteiro! E vá lá saber que livro foi este! Observando-se a lista de títulos preferidos, os cabelos se arrepiam, tamanha a estagnação: a Bíblia (lógico…mas que de fato não é um livro, nem é obra que se lê, propriamente, no sentido buscado pela pesquisa); lugares-comuns (provavelmente aquisições da infância e adolescência) como Sítio do Pica-pau amarelo, Turma da Mônica, O Menino maluquinho, Gibis/histórias em quadrinhos, Cinderela, Os três porquinhos, Chapeuzinho Vermelho, Harry Potter, Diário de um banana); prováveis leituras obrigatórias da escola (Dom Casmurro, Capitães de areia, Vidas secas, Iracema, Meu pé de laranja lima); e, além de O alquimista, outros bestsellers (ou seja, leituras massificantes) – O pequeno príncipe, Crepúsculo, Pai rico, pai pobre, A arte da guerra, 50 tons de cinza).

Nenhum novo lampejo ou faísca de tudo que se produziu ao longo de tantos anos no campo literário nacional e internacional; nenhum farol, apenas pequenas lanternas, algumas com fraca bateria! Que visão de mundo, de vida, de Homem, pode ter toda essa gente? Que instrumentos utilizam essas pessoas para tentar compreender e lidar com a complexidade da vida, individual e coletiva, que se leva no século XXI? O espanto, o desalento, melhor dizendo, aumenta diante da lista de autores preferidos.

O verdadeiro leitor, no Brasil, é, mesmo um extraterrestre. Ao conversar quotidianamente, precisa disfarçar bem, limitando os assuntos e vigiando para não adentrar profundidades:

– Será que chove?

– Como vai sua avó?

– E o Lula (ou o Bolsonaro), hein?

– Você precisa ver a nova para perder peso (ou curar o câncer)!

–Deus é pai, viva Jesus!

– Hoje a Loira Carreteira (uma digital-influencer) atravessou a Transamazônica!

Imagine, alguém que lê, inteiro!, um livro por semana, o que resulta em 4 por mês, quase 50 por ano! Essa pessoa, dirão os “leitores médios brasileiros”, não vive, é engolida pelas letrinhas. É capaz de ser afetada por problemas de visão, isso se não endoidecer com tanta história fervilhando na cabeça…

E se este leitor, em meio a uma conversa, cita um autor ou passagem de um livro, para aprofundar o assunto ou indicar uma boa referência?

– Sujeito esnobe, cê viu?

– Cara pedante, chato pra cacete.

O sujeito vai sendo expulso do mundo, convidado a regressar ao seu planeta. Sorte dele que se trata de um planeta muito melhor que aquele onde não é benquisto: o planeta da plenitude das capacidades humanas – a biblioteca. Ali ele pode ter acesso ao melhor que a Humanidade produziu (e lhe possibilitou muito mais, alavanca que é): a escrita, o livro, a leitura – em uma palavra, o acesso fácil e rápido à inteligência para além da memória individual limitada e do raciocínio exclusivamente próprio, limitado pela experiência de cada um.

–  E. T. phone home. (E. T. telefonar para casa.)

 


Valdemir Pires é economista e escritor.

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