Era uma vez um homem que se achava rei. Para ele, o palácio onde vivia era um castelo e somente suas vontades tinham valor. Achava que seus filhos eram príncipes e tudo o quanto faziam era bonito e correto. Via sua mulher como a rainha do povo e esperava dela agir como tal, imaginava todas as pessoas que o rodeavam como seus pertences, por isso, deveriam apenas obedecer e calarem-se quando quisesse. Em seu imaginário, o mundo deveria orbitar ao seu redor porque, de fato, acreditava ser o centro das atenções. A maioria das pessoas de sua convivência o achava estranho, mas seguiam o fluxo fingindo que sempre tinha razão em tudo. Isso lhe dava certo status, poder, patético, mas dava. Fazia esquisitices, falava como um magistral e pensava ser um astro de cinema quando desfilava pelas ruas da cidade seguido de serviçais.
Como no mundo existe gosto pra tudo, a mediocridade também encontra adeptos – e fiéis – havia os que concordavam com aquele “reinado”. Ele acreditava ser o que as pessoas acreditavam que ele fosse, e as pessoas acreditavam que ele fosse algo que realmente ele não era. Era um engano mútuo na esperança de algum dia, em algum momento, de algum jeito, aquela gente encontrar-se com algum tipo de razão e verdade. O mais lamentável para uma pessoa que toma esse caminho é constatar que a vaidade é a melhor amiga do ridículo e a arrogância a mais próxima companheira da vergonha, e quanta vergonha passava!
Se o teatro acontecesse somente na intimidade daquela monarquia imaginária, a história poderia passar despercebida, mas o homem tinha deveres que careciam de responsabilidade. Seu posto requeria respostas práticas que fariam diferença na vida de muita gente. Mas brincava, distraia-se com caprichos, devaneios e ilusões enquanto pessoas morriam. Gastava recursos públicos com suas brincadeiras. Muitos padeciam, mas não se importava! O teatro elaborado por sua mente desvairada ocupava o tempo das providencias a serem tomadas. O que era importante para o bem estar das pessoas, para ele era balela, o que era dor, sangue e morte para os outros, deboche e escárnio.
Por pensar que era rei fazia com que alguns – por interesse, na maioria das vezes – pensassem que eram súditos. Por se imaginar num trono, encontrava quem a ele se curvasse. Gostava dos aplausos, ovações, elogios – descabidos, pois não era digno de nenhum tipo de elogio – e se alegrava com o ópio de seus próprios sonhos. Vivia em transe, reinando o reino que só existia em sua própria loucura e na ambição de seus vassalos.
Mas como todo o que sonha acorda, certo dia veio a vida cobrar-lhe o mal que tinha feito, o demérito com que tratara o alheio, a arrogância com que zombara do fraco. Veio o tempo trazer abaixo seu castelo, pois não há castelo que subsista ao tempo. Veio a dor lembrar-lhe que nenhuma coroa deve tirar alguém do chão, nenhum louvor da serenidade, nenhum aplauso da dúvida, mas só os grandes sabem disso. Veio a história destituí-lo da tão sonhada glória, que nunca foi dele – ele sabia manter-se muito, muito distante de qualquer glória – apresentar-lhe toda a falsidade que lhe era oferecida pelas costas e todo o sarcasmo e chacota que conquistara por si só, por merecimento próprio. Veio o juízo deflagrar-lhe a mais pura de todas as verdades e a mais inegável realidade, de que era pó, em todo tempo, durante todo o sonho, em todo o seu devaneio, e ao pó, e tão somente ao pó, voltaria para ser esquecido pela vida, apagado pelo tempo, julgado pela dor, sentenciado pela história, diante da tragédia e da vergonha que representara quando lhe foi dada a oportunidade de ser, de fato, alguém.
Prof. Dr. Rev. Nilson da Silva Júnior.