O Enigma da Esfinge

O Enigma da Esfinge

Aprendi com meus pais, mais especificamente com minha mãe, dona Paula, que agir corretamente, dentro do que se é estabelecido pela lei, é o que sempre se deve fazer. Minha mãe, matriarca, com sua sabedoria, que é herança também transmitida por suas avós, em uma fecunda dinâmica de ancestralidade, não cansava de dizer: faça o bem, sem olhar para quem e sem esperar reconhecimento! Sem grandes conjecturas filosóficas, o ensinamento de dona Paula é bem direto: faço o que é correto e ponto final. Essa sabedoria de dona Paula talvez encontre sua gênese no inconsciente coletivo de uma ancestralidade que remonta a muitas gerações de mulheres cheias de conhecimento, de bons conselhos e de força vital.

A questão é que agora estamos diante de uma encruzilhada. O que era tão óbvio se revela quase que como um enigma da Esfinge. Ou deciframos esse enigma ou seremos devorados enquanto civilização. As fake news, as desinformações, as pós-verdades tornaram tudo tão mais complicado, tão nebuloso. A mentira agora reivindica o seu lugar de verdade. E a verdade não passa de mera narrativa. Tudo é uma questão de interpretação. Sob as nuvens da ideologia, nunca foi tão difícil decidir qual o caminho a tomar.

Mas essa não é a repetição do mesmo velho debate de Platão e seu Sócrates contra os sofistas? A verdade está na maneira com que se diz algo, na forma e no rebuscamento das palavras ou a verdade está no conteúdo do que é dito, mesmo que não tenha tanta beleza performática assim? Os antigos gregos tinham uma expressão central para designar o mais profundo compromisso com a verdade. Essa palavra grega é “parresia,” que significa justamente a coragem da verdade. O filósofo Sócrates viveu a parresia, dizendo e defendendo a verdade em praça pública, diante de seus detratores. Jesus Cristo, cerca de 400 anos depois, agiu da mesma maneira. Isso acabou custando a ambos a própria vida. Defender a verdade até as últimas consequências! Esse ainda é um pensamento considerado nobre, ético e válido para os dias de hoje?

Ainda é possível arregimentar pessoas em torno de um propósito que seja ético, justo e verdadeiro? Talvez seja! Mas o fato incontestável é que multidões se mobilizam em torno de propósitos falsos, mentirosos e vazios de qualquer sentido mais profundo. É o tempo do vale tudo por dinheiro, por poder e por prestígio. Em nome de uma vitória, mesmo que de Pirro, não há espaço para a nobreza, para a dignidade, nem para a ética e a justiça. Todos os meios tornam-se plausíveis, desde que conduzam à finalidade estrategicamente cobiçada: dinheiro, poder e prestígio, não necessariamente nessa ordem.

Em meio a tantos livros e outros tantos debates políticos, tenho contemplado os ensinamentos de minha mãe, dona Paula, com sua sabedoria ancestral. Ainda cabe dizer a verdade, fazer o que é correto, mesmo que nos custe? Como se educa para a ética, tendo um cotidiano demarcado por múltiplos desvios? Mas diante da Esfinge só há uma resposta verdadeira, não adianta forjar narrativas negacionistas. Cada um se encontra sozinho consigo mesmo, sem redes sociais, sendo desafiado a decifrar a Esfinge. Talvez o caminho seja voltar aos gregos, com sua parresia, assumindo a coragem de proclamar a mais imaculada verdade, em um movimento de andar na contramão. No contemporâneo, atiçados pela liquidez das redes e mídias sociais – considerando principalmente aquelas que detratam e mentem –, com toda sua truculência, deselegância e vileza, é preciso se preparar para enfrentar o que se chama de cultura do cancelamento, uma espécie de cicuta ou cruz do mundo pós-moderno.

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Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.

adelino.oliveira@ifsp.edu.br

 

 

 

 

 

 

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