O bolo

O bolo

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Peguei a senha de número seis e não pude deixar de perceber que era o único homem ali. Uma moça com menos de 20 anos deixava a loja, devia ser a número um. Ficaram quatro senhoras, portadoras das senhas de dois a cinco. Todos nós à procura de um bolo para o fim de semana. A pequena loja especializada é uma franquia, bem ao estilo americano, que tem feito muito sucesso com bolos produzidos às centenas, com gosto daqueles feitos em casa quando éramos pequenos.

Era uma sexta-feira, pouco mais de cinco da tarde e esperávamos ser chamados para escolher, pagar e levar para casa um quitute típico das mães que, no domingo, comemorariam o seu dia.

Suponho que todas as que estavam na minha frente haviam saído do trabalho, cansadas de uma semana estressante (como são todas as semanas de trabalho em nossa corrida existência urbana). Depois do dia inteiro fora de casa, resolvendo pepinos das empresas e escritórios onde são donas ou funcionárias, rendem-se ao prazer de levar para casa um bolo caseiro feito por mãos profissionais que passaram o dia todo fazendo centenas de bolos. Lógica muito parecida à das mães babás que deixam seus filhos com uma vizinha para ir em outra casa cuidar do filho da patroa.

boloE uma a uma saíram satisfeitas da loja, levando para casa aquilo que quase ninguém tem mais tempo de fazer. Porque não foi o feminismo, com sua luta secular, que tirou da mulher o direito de fazer bolos, de dar um gosto e cheiro especial à casa, como aquela que nos lembramos de nossa infância. A conquista da mulher pelo trabalho significa também a conquista da autonomia feminina, da construção de sua possibilidade de dizer não ao homem quando bem lhe convier.

Quem retirou o bolo caseiro de nossas casas foi o sistema massificador (alguns trocadilhos são inevitáveis), que sobrecarrega o trabalhador (homem ou mulher) com volumes de atividades cada vez maiores, com mais responsabilidades, tarefas e metas a cumprir.

Ao chegar em casa, poucas e poucos (porque os homens poderiam ter assumido com tranquilidade este papel de confeccionar bolos e outras delícias) se dão ao prazer de ir para a cozinha pela família, pois não há mais tempo, não há mais energia, não há mais espaço para a doçura, para a simplicidade da vida em casa.

Tudo é corrido, tudo é pra ontem. E passe na loja de bolos antes das seis, se não você fica sem bolo no final de semana.

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Wanderley Garcia

Wanderley Garcia é jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba.

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