O Berimbau

O Berimbau

“Berimbau não é somente um instrumento. Berimbau é música, é um instrumento”. Em seus dizeres, Mestre Pastinha (1889-1981) ilustra como o berimbau pode incorporar diferentes significados para além de um instrumento musical. Para mim, o som do berimbau está intimamente ligado à Capoeira. Quando ouço o berimbau já procuro logo identificar onde está sendo apresentada a capoeira. E, em meu pensamento, se tem berimbau, tem capoeira e se tem capoeira, tem berimbau.

Apesar dessa ligação ser muito forte e antiga, a história nos mostra que não foi sempre assim. O berimbau é um instrumento que remete à ancestralidade africana, muito antes mesmo de existir a nossa capoeira, como a conhecemos hoje. Com nomes como Urucungo, Hungo ou M´bolumbumba, era um instrumento com diferentes características e formas de se tocar, utilizado em rituais fúnebres, em festejos e para atrair compradores que vendiam quitutes nas ruas e feiras.

A capoeira, em seus primeiros registros, não contava com a presença do berimbau. Dá para imaginar a capoeira sem berimbau? Difícil, né? Mas os indícios levam a crer que a capoeira na sua manifestação mais primitiva era acompanhada de tambores e de palmas. De qualquer forma, assim como outras danças e rituais, historicamente, a capoeira é sempre associada à musicalidade, aos ritmos e cantos, mantendo suas raízes africanas.

No limiar que tange a capoeira entre uma luta e um jogo, ou mesmo uma dança, é complicado identificar quando o berimbau passou a fazer parte da roda de capoeira. Um fato é certo, foi na Bahia. Foram os mestres baianos de capoeira que, no final do século XIX e no começo do século XX, introduziram na capoeira o seu símbolo mais forte, o berimbau. Nesse período havia recentemente sido promulgada a Lei Áurea (13 de maio de 1988), que determinou a abolição do trabalho escravo no Brasil. Os recém-libertos povoavam as ruas e praças das principais cidades do Brasil à procura de meios de vida e de sobrevivência. Coincidentemente ou não, a prática da Capoeiragem foi proibida logo a seguir, no Código Penal de 1890, sob pena de prisão de dois a seis meses.

Estando a capoeira proibida, o seu principal instrumento de condução no cais e nas ruas da Bahia, o berimbau, passou também a ser alvo de perseguição. Nos remetemos então à frase inicial do mestre Pastinha e poderemos identificar um outro uso dado ao berimbau. “Se si estava numa vadiação, em um grupo, com um berimbau na mão, eles passava e entendia de querer tomar, pra quebrar. Aí inflamava, não é …”. Esse depoimento ilustra a repressão policial sobre a capoeira no começo do século XX. Os capoeiristas não queriam que seus instrumentos fossem tomados, provocando reações adversas. “No íntimo o capoeirista não queria perder seu instrumento, então nós tínhamos que brigar, né.” Para essas ocasiões de contenda o mestre revela: “na hora da dor, ele deixa de ser um instrumento para se tornar uma foice de mão.”

A capoeira sempre foi e continuará sendo uma luta contra a opressão. O capoeirista utiliza os seus conhecimentos e habilidades para vencer essa luta. A luta contra a opressão, a repressão, o racismo e qualquer tipo de discriminação. Os relatos apresentados nos remetem ao Brasil no início do século XX, entretanto, essa é uma luta contemporânea. O sistema opressor e explorador permanece, criando hordas de marginalizados e criminalizados. O capoeirista vai continuar levando o seu berimbau para onde ele for. O berimbau é uma bandeira que, por meio da música e da cultura, vai lutar sempre por um Brasil mais justo e equalitário. E aquele que se identifica com essa cultura e com essa bandeira é, dentro de si, um capoeirista.

 


Philippe Waldhoff, professor titular IFAM, em trabalho de colaboração técnica como IFSP.

 

(Foto: DEBRET. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Paris: Didot Firmin et Fréres, 1824.) 

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