Novo capítulo no Laboratório do Ódio: Netanyahu e seu garoto-propaganda Bolsonaro
por Jean Goldenbaum
(*TEXT IN ENGLISH IS BELOW)
Há exatos três meses publiquei neste mesmo jornal um artigo intitulado ‘Sou judeu e brasileiro. E brado ao mundo: Bolsonaro e Netanyahu não me representam.’, por ocasião da visita do primeiro ministro israelense ao Brasil para a posse do recém-eleito presidente da república. Pois bem, hoje, embora com grande desprazer, me sinto no dever de produzir um novo artigo a respeito da visita contrária, do líder brasileiro a Israel.
Primeiramente, nos perguntemos: o que há de diferente entre três meses atrás e hoje? Simples: até então possuíamos somente péssimas expectativas com relação à tomada do poder por parte da extrema-direita no Brasil. Hoje, averiguamos dia após dia que tais pessimistas perspectivas se tornaram pura realidade. Não perderei tempo ou tela de computador elencando todos os horrores que já ocorreram desde o dia primeiro de janeiro de 2019 (afinal toda a informação está facilmente disponível a quem quiser encontrá-la), mas faço questão de rememorar alguns dos piores acontecimentos:
-o fechamento do Ministério da Cultura, órgão máximo da promoção cultural brasileira, aberto logo após o fim da Ditadura Militar, como resposta à censura e repressão;
-a também extinção do Ministério do Trabalho, o que enfraquece diretamente o apoio ao trabalhador e beneficia somente o empresário;
-a retirada do direito de demarcação de terras indígenas da Funai, entregando-o ao Ministério da Agricultura, o que coloca os índios sob ameaça de um genocídio;
-a liberação do porte de armas de fogo, algo que provou-se exaustivamente amplificar a violência nas sociedades;
-a retirada de mais de oito mil médicos cubanos do programa Mais Médicos, o que deixou milhões de pessoas carentes sem assistência médica;
-toda a “reformulação” da Educação Brasileira, que caminha a olhos nus para um ensino que nega a abertura à diversidade, à inclusão e às mais essenciais temáticas da contemporaneidade, como por exemplo as questões de gênero.
Além disso, soma-se a ameaça da Reforma da Previdência (a ser julgada em breve), que obviamente beneficiará unicamente as camadas mais ricas da população, relegando o pobre a uma infinda vida de trabalho. Não podemos deixar de também mencionar as evidências do envolvimento da família do presidente com milícias, execuções e outros crimes, além das incontáveis incitações ao ódio e à intolerância, vindas do próprio líder, de seus filhos e de todo o resto de sua “equipe”.
Enfim, hoje não se trata mais de medo do que poderá ser. Tudo já é. O Fascismo (ou Protofascismo, se talvez ainda em fase primária) alastra-se pela sociedade brasileira e, desta forma, começamos a viver um período distópico, no qual Verdades começam a ser substituídas por Inverdades (do “kit gay” ao “o Nazismo foi de esquerda”) e o “direito de odiar” é legitimado pelos altos escalões dos governantes do país.
Mas atamo-nos à nova faustiana lua de mel dos dois amigos que está se dando em Israel neste exato momento. Quais os intuitos de cada um dos líderes e o que está em jogo?
Bem, Netanyahu está desesperado. Pela primeira em vez em anos enxerga a real possibilidade de ser não somente retirado do poder de Israel, como também indiciado e condenado por diversos casos de corrupção. Seu objetivo é claro: às portas das eleições nacionais (9 de abril de 2019), quer impressionar a população israelense exibindo o seu mais novo brinquedinho extremista (brinquedo o qual ele divide com o semelhantemente tenebroso presidente norte-americano Trump, como vimos na recente e doentia viagem do líder brasileiro aos EUA), afirmando que é amicíssimo de líderes de grandes países. Entretanto, seu plano se configura em faca de dois gumes, ao passo que da mesma forma que o presidente brasileiro causa delírios de prazer aos que se deleitam com seu discurso de ódio, também causa verdadeiros asco e repugnância aos que o rejeitam. Enfim, o futuro próximo nos mostrará o resultado eleitoral e as consequências do circo maquiavélico dos quais hoje somos obrigados a sermos público.
Já o líder brasileiro – que, diga-se de passagem, por um infeliz conflito de agenda perdeu a por ele ordenada celebração aos “heróis” militares da Ditadura Brasileira (sim, aquela que prendeu cerca de 50 mil pessoas, torturou por volta de 20 mil e assassinou oficialmente mais de 400) – possui basicamente três metas:
A primeira é fácil: fortalecer os laços com seu comparsa de direita/extrema-direita Netanyahu, satisfazer mais uma vez Trump (diretamente ligado ao primeiro), e consolidar-se como um dos mais importantes representantes do Neofascismo no mundo (quem quiser saber mais a fundo sobre isto, sugiro que pesquise a “produtiva amizade” da família Bolsonaro com Steve Bannon, um dos mais destrutivos e ameaçadores líderes do movimento nacionalista de extrema-direita do planeta.)
A segunda parte funciona quase que automaticamente: visitando Israel, Bolsonaro alimenta o lobbying evangélico que em grande parte o elegeu: graças à fixação por Israel e à questão do Dispensacionalismo (doutrina teológica que diz que Jesus voltará quando todos os judeus estiverem em Israel – e “aceitarem” Jesus como o messias), o setor fundamentalista dos evangélicos adorará ver o presidente planar o terreno da Terra Santa e humilhar os para ele e Netanyahu indesejáveis palestinos (aqui cabe lembrar que durante sua campanha eleitoral, Bolsonaro defendeu fechar a Embaixada Palestina no Brasil, e há poucos dias simplesmente ignorou o convite do embaixador palestino no Brasil para visitar a Cisjordânia.)
Já a terceira parte é menos simples e o motivo é o seguinte: trilhando os passos – novamente – de seu ídolo Trump, o brasileiro havia prometido que transferiria a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, engrossando o coro que escancara o fato de que para eles as possíveis negociações de paz com os palestinos pouco importam, os Direitos Humanos menos ainda, e que quem manda e desmanda no Oriente Médio é Netanyahu. O problema é que o Brasil necessita de uma decente relação diplomática com os países árabes, afinal considerável parte dos parceiros comerciais para os quais exporta são árabes. E logicamente estes países já demonstraram seu desgosto com relação ao namoro do presidente brasileiro com Netanyahu. (Um breve exemplo: “segundo dados da Sociedade Nacional de Agricultura, entre os 25 maiores importadores de carne de frango brasileira, sete são países árabes. Além da própria Arábia Saudita, que sozinha responde por 14% das exportações brasileiras em volume, estão o Kuwait, Egito, Omã, Iraque, Qatar, Iêmen e Jordânia.”). Portanto o presidente – como vem fazendo constantemente com suas declarações ditas e depois desditas, e seus tuítes postados e depois apagados –, já está tentando de todas as formas esquivar-se de sua promessa, dizendo que o que fará é abrir um “escritório de representação comercial” em Jerusalém.
Por fim, o último ponto a ser tratado neste breve artigo é a recepção da comunidade judaica brasileira ao presidente em Israel. Como já sabemos muito claramente, infelizmente a comunidade judaica é plenamente dividida neste assunto, havendo tanto defensores de Bolsonaro (provavelmente pessoas que, além de não se importarem minimamente com o Respeito ao diferente, possuem também alma e visão estreita o suficiente para não compreenderem a histórica catastrófica relação entre a extrema-direita e os judeus), assim como há também a Resistência Judaica, da qual quem lhes escreve faz parte com grande alegria. Portanto não é de se admirar que o líder brasileiro seja recebido tanto com honrarias, quanto com agudos protestos e manifestações contrárias.
Termino expressando minha esperança sobre Israel – eterna Tikva – de que dias melhores virão sobre o solo onde judeus, muçulmanos, cristãos e outros vivem. Dias em que não tenhamos mais líderes disruptivos, propagadores de ódio e que diariamente cometem crimes contra a Vida e a Dignidade do próximo. Este encontro do atual presidente brasileiro com o atual primeiro-ministro israelense é mais uma celebração de tudo o que há de negativo na humanidade. Mas as forças contrárias não estão mortas nem dormentes. E se Deus quiser e conseguir – seja Ele quem for – no dia 9 de abril um novo horizonte em Israel começará a se abrir para os que acreditam na Democracia, nos Direitos Humanos e na Igualdade entre todos os homens.
Quanto ao Brasil, não exponho aqui falsas esperanças. O período é sombrio e a putridez do Ódio de fato pesteia o país. Mas exponho as palavras de um dos grandes pensadores e ativistas políticos de nossa época, o político judeu norte-americano Bernie Sanders (*1941). Elas consolam e inspiram: “Ao meu modo de ver, neste crítico momento da história, desespero não é uma opção. O que sempre acontece é: quando milhões de pessoas do movimento comunitário se unem e dizem àqueles que estão no poder: ‘Vocês não sairão desta impunes!’, e quando se recusam a permitir que sejam divididos, quando isto ocorre, nós vencemos. Nossa missão é não nos separarmos, mantermo-nos unidos e nos envolvermos em todos os aspectos do processo político.”
Assim, deixo aos amigos aquele abraço brasileiro, o judaico Shalom e a lembrança de que na luta pela Democracia e contra o Fascismo, ninguém solta a mão de ninguém.
Dr. Jean Goldenbaum é compositor e musicólogo, professor do Centro Europeu de Música Judaica da Universidade de Música, Teatro e Mídia de Hannover, Alemanha. Ativista social e político, faz parte do grupo ‘Resistência Democrática Judaica’ e é um dos membros fundadores do ‘Observatório Judaico de Direitos Humanos do Brasil’. www.jeangoldenbaum.com
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New chapter in the Laboratory of Hate: Netanyahu and his advertising boy Bolsonaro
by Jean Goldenbaum
Exactly three months ago I published in this same newspaper an article entitled ‘I am Jewish and Brazilian. And I shout to the world: Bolsonaro and Netanyahu do not represent me.’, on the occasion of the visit of the Israeli prime minister to Brazil for the inauguration day of the newly elected president. Well, today, albeit with great displeasure, I feel it is my duty to produce a new article on the opposite visit, the Brazilian leader to Israel.
First, let us ask ourselves: what is different between three months ago and today? Simple: until then we had only very bad expectations regarding the takeover of power by the far-right in Brazil. Today, we find day after day that such pessimistic perspectives have become pure reality. I will not waste time or computer screen listing all the horrors that have already occurred since January 1, 2019 (after all, all information is easily available to anyone who wants to find it), but I want to recall some of the worst events:
-the closure of the Ministry of Culture, the highest body of Brazilian cultural promotion, opened shortly after the end of the Military Dictatorship, in response to censorship and repression of that time;
-also the extinction of the Ministry of Labor, which directly weakens the support to the worker and benefits only the businessman;
-the withdrawal of the right to demarcate indigenous lands from Funai, turning it over to the Ministry of Agriculture, which places the Indians under threat of genocide;
-the liberation of the carrying of firearms, something that has been exhaustively proved to amplify the violence in the societies;
-the withdrawal of more than eight thousand Cuban doctors from the Mais Médicos (More Doctors) program, which left millions of people in need without medical assistance;
-all the “reformulation” of Brazilian Education, which goes clearly in the direction of a teaching that denies openness to diversity, inclusion and the most essential contemporary themes, such as gender issues.
In addition, the threat of the Social Security Reform (to be judged) is added, which obviously will benefit only the richest sections of the population, relegating the poor to an endless life of work. We can not fail to mention the evidence of the president’s family involvement with militias, executions and other crimes, as well as countless incitement to hatred and intolerance from the leader himself, his sons and the rest of his “team”.
Anyway, today it is not anymore about fear of what it could be. Everything is already there. Fascism (or perhaps Protofascism, if perhaps still in its primary phase) spreads through Brazilian society, and in this way we begin to live a dystopian time, in which Truths begin to be replaced by Untruths (from “the gay kit which the progressives want to give children at school” to “Nazism was made by the left-wing”) and the “right to hate” is legitimized by the upper echelons of the country’s rulers.
But let’s focus on the new Faustian honeymoon of the two friends that is taking place in Israel at this very moment. What are the intentions of each of the leaders and what is at stake?
Well, Netanyahu is desperate. For the first time in years, he sees the real possibility of being not only removed from office in Israel, but also indicted and convicted of various cases of corruption. His goal is clear: few days before the national elections (April 9, 2019), he wants to impress the Israeli population by displaying his newest extremist toy (a toy he also shares with the similarly tenebrous north-american president Trump, as we saw in the recent sick trip of the Brazilian leader to the USA), affirming that he has great friendship with leaders of important countries. His plan, however, is a double-edged sword, since while in the same way that the Brazilian president causes deliriums of pleasure to those who delight in his hate speech, he also causes real disgust and repugnance to those who reject him. Anyway, the near future will show us the electoral result and the consequences of the Machiavellian circus of which we are now forced to be the audience.
The Brazilian leader – who, by the way, by an unhappy schedule conflict, missed the by him ordered celebrations to the military “heroes” of the Brazilian Dictatorship (yes, the one from 1964 to 1985 that arrested around 50 thousand people, tortured around 20 thousand and officially murdered more than 400) – has basically three goals:
The first one is easy: to strengthen the ties with his right/far-right-wing partner Netanyahu, to once again satisfy Trump (directly linked to the first), and to consolidate himself as one of the most important representatives of Neo-fascism in the world (for those who want to know more about it, I suggest to research the Bolsonaro family’s “productive friendship” with Steve Bannon, one of the most destructive and threatening leaders of the far-right nationalist movement on the planet.)
The second part works almost automatically: by visiting Israel, Bolsonaro feeds the evangelical lobbying that largely elected him: thanks to their fixation in Israel and the issue of Dispensationalism (theological doctrine that says that Jesus will return when all Jews are in Israel – and “accepting” Jesus as the messiah), the fundamentalist sector of evangelicals will love to see the President plan the ground of the Holy Land and humiliate the by him and by Netanyahu unwanted Palestinians (here it should be remembered that during his campaign, Bolsonaro defended closing the Palestinian Embassy in Brazil, and a few days ago simply ignored the invitation of the Palestinian ambassador in Brazil to visit the West Bank.)
In its turn the third part is less simple and the reason is this: treading the steps – again – of his idol Trump, the Brazilian leader had promised that he would transfer the Brazilian embassy from Tel Aviv to Jerusalem, making it more than clear that the possible peace negotiations with the Palestinians matter little, human rights even less, and that the one who runs and commands the Middle East is Netanyahu. The problem is that Brazil needs a decent diplomatic relationship with the Arab countries, after all a considerable part of the trading partners to which it exports are Arab. And logically these countries have already shown their displeasure regarding the Brazilian president’s courtship with Nethanyahu. (A brief example: “According to data from the National Agricultural Society, among the 25 largest importers of Brazilian chicken meat, seven are Arab countries. In addition to Saudi Arabia itself, which accounts for 14% of Brazilian exports in volume, Kuwait, Egypt, Oman, Iraq, Qatar, Yemen and Jordan also are part of it.”). Therefore, the president – as he has been doing constantly with his said and then unsaid statements and his posted and then deleted tweets – is already trying to avoid his promise, saying that what he will do is open a “commercial representation office” in Jerusalem.
Finally, the last point to be addressed in this brief article is the reception of the Brazilian Jewish community to Bolsonaro in Israel. As we know very clearly, unfortunately the Jewish community is fully divided on this subject, there being so many defenders of Bolsonaro (probably people who, in addition to not caring at all about Respect to the next, also have soul and vision narrow enough not to understand the historical catastrophic relationship between the far-right and the Jews), just as there is also the Jewish Resistance, of which the one who writes to you right now is part with great joy. Therefore it is no wonder that the Brazilian leader is received with honours, as well as with sharp protests and opposing demonstrations.
I end this article by expressing my hope for Israel – eternal Tikva – that better days will come on the ground where Jews, Muslims, Christians and others live. Days when we no longer will have disruptive, hate-propagating leaders who daily commit crimes against the Life and Dignity of others. This meeting of the current Brazilian president with the current Israeli prime minister is yet another celebration of all that is negative in humanity. But the Resistance forces are neither dead nor dormant. And May God want – whoever He may be – that on April 9th a new horizon in Israel will begin to open up to those who believe in Democracy, Human Rights and Equality among all men.
As for Brazil, I will not put false hopes here. These are dark times and the putridness of Hatred does indeed plague the country. But I put the words of one of the great thinkers and political activists of our time, the Jewish American politician Bernie Sanders (*1941). They console and inspire: “My view is that in this critical moment of history, despair is not an option. What always happens is that when millions of people at the grassroots level come together and they tell the people on top ‘You will not get away with this!’, and when they refuse to allow themselves to be divided of, when that happens, we win. Our job is: don’t let them divide us up, let’s stand together, let’s be involved in every aspect of the political process.”
Thus, I send the friends “that Brazilian hug”, the Jewish Shalom and the remembrance that in the fight for Democracy and against Fascism, nobody lets go of anyone’s hand.
Dr. Jean Goldenbaum is a composer and musicologist, professor at the European Center for Jewish Music at the University of Music, Theater and Media in Hannover, Germany. Social and political activist, he is a member of the ‘Jewish Democratic Resistance’ group and is one of the founding members of the ‘Jewish Observatory of Human Rights of Brazil’. www.jeangoldenbaum.com
Agudas e certeiras ideias. Que a resistência banhe as nossas existências com a clareza e a firmeza de suas palavras!