Sabe, Baby, a noite às vezes chega quebrando vidraças. É você sentada sozinha no sofá da sala, maços quase vazios, cinzeiros cheios, garrafa de café pela metade. Lá fora, seus ouvidos freiam nas esquinas e queimam pneus nos semáforos. Seu coração vem à boca, não é Baby? Seu coração vem à boca!
Carros e motores rangem no seu estômago. Como as pessoas correm, Baby! Como as pessoas morrem… E você aí, sentada no sofá da sala, cigarro na mão direita, xícara de café sobre a mesa. As coisas podem dar errado, não é Baby? As coisas sempre podem dar errado. E você pensa: melhor é se proteger, a noite às vezes chega quebrando vidraças.
Na estante, seus livros de filosofia lhe interrogam sem abafar o som das avenidas. Onde estão seus amigos todos, Baby? Onde estão seus filhos, seus irmãos? A noite é feita para o amor, Baby! A noite é feita para amar! Onde estão todos? Um carro para em frente. Botas pretas na calçada negociam a pele e a alma. Você fica curiosa, não é? Você fica curiosa e pensa: amores? Onde estão eles, Baby? Onde estão seus casos secretos? Estão na estante, não é? Estão na estante, com seus livros de filosofia e seus remédios para dormir. Mas a noite é feita para o amor, Baby! A noite é feita para amar!
Escondidos atrás das cortinas, seus olhos espiam pela janela – única forma de você se sentir no mundo. Risos atravessam a rua. Você não se conforma. As pessoas riem, Baby! As pessoas riem! Você quer companhia. O controle remoto ancorou longe – a TV reconta coisas tenebrosas que você sabe de cor. É hora do maço de cigarros guardado no armário. Seu silêncio se arrasta para a cozinha, ladeada de azulejos frios como você. Entre um cigarro e outro, seu nariz solta fumaça e memória. A pior solidão é a de si mesmo, não é Baby? A pior solidão é a de não ter a própria companhia.
E quando a noite lhe é definitivamente insuportável, você descobre sempre a mesma saída. É você correndo para a vitrola postada num canto da sala. Sua vitrola é seu oratório barroco, não é Baby? De repente, você se surpreende com uma voz volatizando-se no ar: Nigth and Day…you are the one…. Nigth and Day, Baby? Nigth and Day! E você pensa: a noite tem mesmo seus truques. Uma calma estranha lhe escorre o corpo. Abraçada à capa do LP, você meio que finge que dança. You are the one, Baby! You are the one!
Toda noite é assim, não é? Adivinhei? Quando a noite lhe derruba, uma voz surge do nada e canta para você – não, é? Que privilégio o seu, Baby! Há uma voz que canta no meio da noite só para você! Então, você pensa: bom é estar sozinha, não é? Porque você sabe que você é a única debaixo da lua, Baby! E você até chega a ter ciúmes disso. Porque você bem sabe que, a essa hora, toda canção é só sua – não é? A essa hora é você agarrada à capa do LP. Que privilégio, Baby, que privilégio.
Seus olhos derrubam os livros da estante. Todos ali também foram escritos para você – não, é? Alguns até contam a sua história: lembranças que às vezes você suspeita que não sejam suas. Baby! Quantas noites você cavalgou por Andaluzia? Quantas vezes você viajou ao centro da terra? Sim, Baby! Só você é quem sabe das viagens à Sibéria, dos beijos roubados à lua, das juras de amor tantas vezes ouvidas… Você bem sabe, não é Baby? Você bem sabe das histórias que no deserto eram contadas a você. Mil e uma noites, não é Baby? Mil e uma noites você passou ali, no sofá da sala, ouvindo e vivendo suas próprias histórias.
Na garrafa térmica, o café chegou ao fim. Sobre a mesa não há mais cinzeiros limpos. Mas também, Baby, quem é que agora precisa deles mesmo? Você abre a janela. Agora é você deitada no sofá – arfando o hálito da noite. Não há mais carros passando. Não há mais tiros de largada nos semáforos. Na vitrola, as últimas notas de outro disco caem ao chão.
A noite tem seus truques, não é Baby? É você cansada, querendo dormir. Seus olhos pesam, não é? Sou olhos pesam tranqüilos e encolhidos. Antes de adormecer, você agradece. Agradece à noite – quase perdendo os sentidos, lábios querendo sorrir. E você pensa. Pensa e balbucia entre dentes: a manhã já vem.
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O Autor:
Editor do Diário do Engenho, Alê Bragion é mestre e doutorando em Teoria e História Literatura pela Unicamp. Músico, Alê também produz e apresenta o programa radiofônico Educativa nas Letras – veiculado pela Rádio Educativa FM105,9
Encantador! Fez-me admirar a noite fria por aqui. Tudo que escreve é muito lindo, Alê. Será sempre um prazer ler-te! Beijos, meu querido.
Au revoir 🙂
Muito bom esse texto. Adorei
Parabéns, muito bom texto; que privilégio…
abraços
Dalmo
Dalmo, querido!
Obrigado pela parceria de sempre!
Grande abraço!
Alê Bragion.
Olá Alexandre,
Fico feliz ao ler um texto de extrema profundidade e altíssima qualidade como este.
Parabéns pelo site, pois naveguei por ele uma vez e agora sou frequentador assíduo. Ótimo visual, conteúdo perfeito.
Abraços meu caro,
Luiz
Obrigado, querido!
Sua leitura e comentários nos são muito importantes.
Esperamos você sempre por aqui. E quando tiver algum texto ou alguma contribuição, lembre-se da gente também.
Grande abraço,
Alê Bragion
fala ai meu querido , lindo texto , isso tem que virar musica , tenha certeza que sera uma bela e inesquecivel canção
pense nisso , rrsssssss parabens
julio abbas
Valeu, Julinho!
Que bom ter você por aqui.
Abraço!
Alê, você sabe tudo da alma humana (ou da mulher?). Você sabe tudo de escrever. Seus escritos, sua sabedoria, sua sensibilidade. Privilégio nosso. Não nos abandone!!! Parabéns. Beijo.
Zilma, Zilma! Você sabe como ser gentil. Obrigado pelo carinho de sempre. E lembresse que nós, aqui do Diário do Engenho, estamos esperando ansiosos pelo seu texto. Não se acanhe, hein! Sabemos o quanto você tem de coisas interessantes para compartilhar com todos nossos leitores
Grande beijo,
Alê Bragion
Amei, muito sensível! Os nossos livros às vezes nos perturbam na estante…
Muito lindo!!