Atrás da enorme vidraça, do lado de dentro da janela, a sala-de-aula-memória – com a minha história (e a de tantos) dentro dela. Memória sem saudosismo, porém – e isso cabe dizer sem medo. Porque a saudade é a aceitação sofrida de que o tempo passa em (quase) segredo. Não. A memória que tenho é bem outra – e tem pele de grito, tem olhos de raiva e respira desilusão. A memória que tenho quer digerir a tristeza que ora sinto, quer propagar forçosa – e contra a minha vontade – o amor (que tive) ao infinito.
Ai, minha sala-de-aula-lembrança do aluno que fui, sentado sempre lá no fundo – quando um dia, ainda pouco mais que criança, passei a aprender a tentar aprender sobre o mundo. Pobre de mim. Pobre de nós. Ai, se ao menos eu fosse Bandeira! Se eu fosse Bandeira talvez eu pudesse me perguntar agora (como uma vez, ali nessa sala, me ensinava um poema que li): “onde estão todos? Totônio Rodrigues, Rosa, Tomásia. Onde estão todos?” E eu mesmo me responderia: “estão todos deitados. Estão todos dormindo, profundamente.”
Templo que me construiu no tempo e habita em mim porque é parte de meu corpo estendido. Seus corredores tão meus, sua biblioteca de sonhos-imensidão, seus eternos pequenos sempre-jardins. Tempo que se fez templo, erigido em campos de gentes, imensamente. Gentes que se acotovelavam contentes, gentes que se preocupavam correndo – cada qual com seus motivos – feito e sendo o sentido da vida (a bater) por seus blocos-coração. Onde estão todos? –repito a indagação.
Alicerces de Boaventuras, colunas de Maias, ornamentos de Cantonis. Onde agora descansarão essa história? Para onde seus cursos que orientavam o curso que escolhemos para existir? Para onde nossas certezas construídas ao irmos caminhando sobre cada pedrinha portuguesa, assentadas uma a uma, a nos fazer crer em sua natureza de monumento – na qual tanto, de fato, acreditávamos. Paço-educação, enquanto uns faziam da vida construção, outros te vendiam e te roubavam.
Taquaral de morte anunciada – porque a sua morte, por fim (aqui registrada), todos sabíamos, não se daria de forma natural, mas seria morte matada. E como tramaram o teu fim, os teus vendilhões. Como sugaram o teu império e te ofereceram em aceites de adultérios por pura ganância sem desejos de razões. Rumo sem rumo. Por isso, neste necrológio sentido prefiro lembrar-me de ti como sempre fui: seu aluno. E ao ver deitarem sobre seu ser a metáfora da última pá de cal, sinto (e sentimos) também todo o mal que te fizeram, que nos fizeram, Taquaral.
Sonho que se vai, levado em pedaços no bico de tantas rapinas. Quizila de mãos escondidas, como sempre, na face oculta – ou nem tanto – das religiões. Gigante perdido, vendido no vento feito pagamento que se faz pelo erro de ferir mortalmente os que te amavam (e ainda te amam). História viva em ruínas. Quem diria, um dia, que esse seria o seu destino. Quem diria que sabia que essa seria a minha (a nossa) sina.
(Crônica publicada também em “A Tribuna Piracicabana” desta sexta-feira 20/01/23).
Alexandre Bragion é editor do Diário do Engenho. Cronista de A Tribuna Piracicabana desde 2017. É Licenciado em Letras Português/Inglês pela Universidade Metodista de Piracicaba.
Foto de capa: Alexandre Bragion.