A imagem da manjedoura é reatualizada na história contemporânea, na realidade dos refugiados; na experiência limite dos que se encontram em situação de rua; no cotidiano de todos aqueles que sobrevivem sob o estigma da pobreza, sofrendo a dor da fome ou mesmo a angústia de ver seu barraco pegando fogo. A singela manjedoura marca, sob o signo da perseguição, da opressão e da exclusão, o lugar social de nascimento do menino Jesus.
O Natal de Jesus inaugura uma outra perspectiva sobre a religião, mas também um novo tempo na história, apontando princípios e valores civilizacionais. Rompendo com a visão religiosa que afirmava um Deus distante e inacessível, um verdadeiro monarca, em Jesus menino, Deus se revela como Emanuel, que é Deus-conosco, em uma proximidade e alteridade radicais, unindo o humano e a transcendência. Do ponto de vista histórico, Jesus Cristo manifesta o Deus que assume a causa do pobre, no mais estreito compromisso com a justiça e com o direito, bases para um mundo de paz.
Sob o símbolo da manjedoura, o cristianismo nasce contemplando as dimensões da denúncia e do anúncio, tão próprias do profetismo judaico. A denúncia que se levanta contra uma sociedade que não sabe acolher e reproduz dinâmicas de exclusão e abandono. Mas também o anúncio de um novo tempo, extrapolando todas as fronteiras e limites étnico-culturais, integrando, em um encontro cósmico, transcendência, humanidade e natureza.
Em um contexto de crise civilizacional, diante de uma humanidade perdida, desencontrada, o que o Natal de Jesus ainda pode ensinar? Em um cenário no qual as relações sociais são recortadas pelo ódio, por expressões de um insuportável racismo e pela negação do outra em sua diferença, o que o Natal de Jesus tem a dizer? Em uma conjuntura dominada pela estreiteza do neofascismo, negando o direito e a justiça, reproduzindo formas de opressão e exploração do povo, qual a mensagem que o Natal de Jesus apresenta? Em uma estrutura que concentra poder e riqueza nas mãos de uma minoria privilegiada, perpetuando uma realidade de pobreza e desigualdade social, qual o programa político que o Natal de Jesus propõe?
Há uma perspectiva ética e política no Natal de Jesus que não pode ser nunca esquecida, pois é a chave de leitura para a compreensão mais profunda da revelação e mensagem cristãs. A transgressão moral no sim da jovem Maria; o simbolismo em torno da manjedoura; o ministério de Jesus tendo como ponto de partida a pobre e relegada região da Galileia; o rosto humilde de discípulos e discípulas que integravam o movimento de Jesus; o confronto com o poder religioso do Templo e também com o poder político de Roma; o rompimento com tantas formas de exclusão. Vestígios fundamentais que revelam o fundo ético e político do movimento de Jesus. Tudo indicando que, ao assumir a condição humana, na encarnação do Deus menino, há uma escolha ética e política, definindo o lugar de Jesus Cristo no mundo: ao lado dos pobres. Diante de tantas evidências teológicas, na hermenêutica histórica do movimento de Jesus, é que a Igreja na América Latina explicitará sua opção preferencial pelos pobres.
É Natal! A humanidade é novamente chamada a se reinventar, a redescobrir a profundidade da experiência do menino Jesus na manjedoura. Há um discernimento ético e político que precisa ser feito, não é possível mais fugir dele. A manjedoura é o lugar hermenêutico capaz de revelar a radicalidade do cristianismo. Lá no momento em que a transcendência abraça a humanidade e a natureza, a estrela apontou o caminho da manjedoura, não de algum esplendido palácio. No contemporâneo, a mesma estrela, reatualizando o Natal do menino Jesus, continua a guiar para a senzala, nunca à casa grande; para a comunidade de favela, nunca para os condomínios de luxo. A sociedade deve ser reconstruída, na perspectiva da paixão do pobre, inaugurando o tempo da graça, da plena justiça. Essa é a esperança do Natal, sob o signo da manjedoura.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.