Ontem, fomos surpreendidos com mais um ato de crueldade contra um cachorro em Piracicaba. Tal ação teve a participação direta de dois homens, mas foi acompanhada pela plateia de outros três, que se divertiam com a situação. Entre esses três estava um servidor público, professor de Educação Física, os demais são moradores de rua que se encontram abrigados no Ginásio do Bairro Jaraguá. Crueldades como essa têm sido recorrentes na nossa sociedade, a qual não pode ficar silente quanto a esses casos, pois isso significará a sua concordância.
O caso em tela, todavia, nos leva ainda a algumas reflexões. Uma delas é que a ação direta foi de dois moradores de rua, acompanhada de mais dois – que riam e se divertiam com a crueldade contra um animal indefeso, cego de um olho. Que quer dizer disso? Sabemos como os moradores de rua são tratados pela sociedade em geral. São tidos com a escória da humanidade, sofrem todo tipo de violação de direitos, sofrem todo tipo de violência, de maus tratos. Como explicar que um ser humano que sofre todas as mazelas de uma sociedade excludente pode cometer um ato desses contra um ser tão indefeso como um cachorro? Pelo visto, talvez estejam cristalizados nesses agressores os maus tratos sofridos por eles na rua. Como num ciclo vicioso, talvez haja ai uma cruel naturalização da prática da violência na vida desses também sofridos seres humanos.
A segunda reflexão surge do fato de que tal violência foi presenciada por um professor – que, ao que parece (e esperemos pelas explicações dele, e ouçamos com justiça e equidade o que ele tem a dizer em sua defesa), diante de tamanha crueldade se manteve passivo, não foi capaz de adotar qualquer atitude pró-ativa que impedisse que o ato fosse levado a cabo.
Ainda mais grave, os agressores não satisfeitos em jogar o cachorro no lago pegavam-no novamente assim que ele tentava sair da água e o atiravam com maior força de volta a lago – mas o professor continuava, diante dessa cena dantesca, inerte. Ele não se sensibilizou com tamanha crueldade? Por que será? O que aconteceu? Com as devidas ressalvas e sem querer levantar juízo de valor antecipado, acredito que ele apenas cumpria um terrível protocolo, não se importando com o que acontecia no seu entorno, fosse com quem fosse.
Chego a pensar que, se no caso fosse um dos moradores de rua que tivesse sendo agredido, também esse professor talvez (talvez) assistisse passivamente a agressão. Será que não? Sendo a vítima um cachorro, imagino qual valor esse animal tem para quem assiste uma agressão sem qualquer manifestação contrária. Mas esperemos suas justificativas.
Em todo caso, perdoem-me. Mas escrevo esse texto com uma mistura de sentimentos. Há em mim revolta e coração condoído – tenho pena desse cachorro e igualmente me apiedo desses moradores de rua e também desse professor.
Não é compreensível o fato de os moradores de rua sejam capazes de tamanha crueldade, assim como não é compreensível a passividade desse professor diante disso. Queremos acreditar que, pelo fato de uma pessoa ter tido a oportunidade de passar pelos bancos das escolas, seu olhar para o mundo dever ser outro – devendo ser mais comprometido com uma sociedade humanizada, solidária, de respeito à diversidade e à defesa dos direitos humanos e dos animais. Mas não é isso que temos acompanhado nos últimos tempos.
Todos os tipos de violências têm aumentado sobremaneira na sociedade. Todos os dias, o noticiário e as redes sociais trazem um novo caso de violação de direitos. E os poderes constituídos têm responsabilidades com tais atitudes. Nosso mais veemente repúdio ao acontecido no dia de ontem, e a todas as demais violências que têm acontecido em nossa cidade, estado e país.
Por fim, cabe afirmar que não basta o arrependimento desses agressores, é preciso que eles incorporem outros valores culturais, como o de alteridade na solidariedade. E o poder público tem que fazer formação do quadro de servidores, para que não vejamos mais atos como esse.
Rai de Almeida é advogada.
É preciso educar para a não violência é uma bela reflexão que a Advogada Rai de Almeida tece a partir dos atos de violência contra um cão no final de semana passado. De forma justa, ela pondera duas dimensões de uma mesma reflexão: uma para os moradores de rua e, outra, para o servidor público, professor de Educação Física que se portou cumprindo “um terrível protocolo”. De fato, a condição dos moradores de rua revela o quão estas pessoas estão excluídas, tanto nos países mais pobres, quanto nos países mais ricos. Uma sociedade organizada na lógica do capital não subsumiu esta pessoas, estas gentes que se movem na lógica da invisibilidade e são extrojetadas para fora do sistema. Quanto ao funcionário público, professor de Educação Física que passou pelos bancos escolares e universitários, onde com toda probabilidade aprendeu os signos necessários para o manejo da prática educativa e da ética “enquanto valores da alteridade na solidariedade” – premissa básica e fundamental da ética, pois o campo da ética toca o outro, tem que efetivamente ser posto em questão. A estas duas reflexões acrescentaria uma outra, qual seja, a questão da violência nas redes sociais. É fato que todos os dias os noticiários e as redes sociais veiculam a realidade de violência. Inegavelmente, estes canais são legítimos e estão no contexto dos avanços tecnológicos. As redes sociais hoje, inauguram uma dinâmica horizontal, quebrando as hierarquias estabelecidas no tecido social. Em uma lógica antinômica, aqui reside a função social das redes sociais, pois inegavelmente, todos podem participar. Mas por outro lado, todas as anomalias humanas, todas as formas de violência que habitam o humano são arrastadas também nas redes sociais. Ora, hoje mais do que nunca, já se sabe que as redes sociais se constituem campo de ninguém, campo sem lei, campo sem ética. Veja-se o que os filhos e seguidores de Bolsonaro fazem nas redes! Assim, o funcionário público, professor de Educação Física, ainda não ouvido em relação aos fatos ocorridos, foi arrastado nesta lógica perversa em que tantos outros também são arrastados. Um linchamento virtual! Sabe-se que o referido funcionário público e professor de Educação Física, em um contexto de pandemia, onde as pessoas, de forma geral, a cumprem em suas respectivas casas com todas as condições necessárias à mão, vem desenvolvendo um projeto de acompanhar os extrojetados e excluídos da sociedade – os moradores de rua – no Ginásio de Esportes do Jaraguá, projeto este com anuência da Secretária Municipal de Educação. Sabe-se também que outros projetos juntamente às comunidades periféricas tem sido levado adiante pelo referido professor, prática assentada, justamente, em uma premissa ética que toma o outro em sua diferença e o respeita como ser humano. Pela linguagem da Educação Física, o referido professor, vem inaugurando um jeito próprio de articular um outro sentido epistemológico deste campo de saber, cuja linguagem do corpo e da atividade lúdica tem possibilitado aos excluídos e extrojetados do sistema uma outra condição, onde a dignidade humana ganha relevância, sem perder necessariamente a compreensão de que educar é educar para a não violência. Sabiamente, Rai de Almeida, abre em sua reflexão a brecha de o funcionário público e professor de Educação Física se manifestar, para se ouvir assim, com justiça e equidade “o que ele tem a dizer em sua defesa”. Tal gesto só poderia vir de alguém que subsume as causas dos excluídos e extrojetados em sua ação social e política libertadoras. Aqui reside minha simpatia desde há muito por Rai de Almeida. Assim, uma vez que o referido funcionário público e professor de Educação Física foi mencionado no espaço Diário do Engenho, espaço que visa escapar às lógicas perversas do senso comum, reinantes ainda nas redes sociais – sinalizaria sobre a importância de tal professor poder se manifesta de maneira reflexiva e ética sobre tal evento acontecido no final de semana passado. No gesto simpático do diálogo com Rai de Almeida, agradeço o trânsito neste espaço – Diário do Engenho – e, para finalizar, esclareço que o funcionário público, professor de Educação Física, que muito admiro chama-se Abílio César Bortoleto e é meu irmão.
Edivaldo José Bortoleto
Estou extremamente comovida com o fato, conheço o Abílio é qdo comentaram o fato comigo, já muito tarde da noite, minha resposta foi: não creio, o Abílio não seria conivente. No dia seguinte falei com ele, pra mim está tudo muito claro, o que faz uma rede social sem averiguar os fatos.
O mais triste, as pessoas lutam pela causa dos animais (muito justo, muito mesmo), mas tratam moradores de ruas com falta de amor e compaixão, e o pior julgam, usam palavras ofensivas e querem justiça. Como assim?
Não respeitam, não sabem do ocorrido, acho que são piores que os vulneráveis.
Abílio tem o meu respeito🙏
#abiliotamojunto
CARTA ABERTA – PROFESSOR ABÍLIO CESAR BORTOLETO
O professor digno e integro foi pego pela perplexidade da atitude de outras pessoas, por uma situação de covardia cometida contra um cachorro.
Caro leitor,
Boa leitura a todos os leitores desta carta, aos amigos, colegas e estudantes de Piracicaba. Estou abismado em ver nas redes sociais algumas pessoas desta cidade fazendo juízo de valor de forma muito leviana e agressiva, sem antes fazer uma leitura cuidadosa. Imagens e vídeos postados nas redes sociais, em relação à suposta falha de atitude ou postura do respeitado professor Abílio. Pessoas muito exaltadas, sem os devidos cuidados já foram logo rotulando o professor de se omitir ou ainda o pior ser conivente com a atitude de outras pessoas.
Abílio é um professor, sua autoridade é do âmbito escolar, nas quadras com estudantes, ele não é policial não tem poder de polícia para atuar nas ruas, não tem formação jurídica. Professor Abílio é uma autoridade no âmbito da ciência educacional.
O professor foi pego pela perplexidade da atitude de outras pessoas, por uma situação de covardia cometida contra um cachorro, o qual todos aqueles que amam indistintamente os animais sentiram-se revoltados, mas o bom senso já está aflorando, pessoas que postaram nas redes sociais o condenando sumariamente, a pessoa do professor Abílio, já estão reconhecendo que não analisaram bem as imagens, e que cometeram um erro ao julgar apressadamente o professor.
Ainda bem, que em Piracicaba a grande maioria das pessoas é justa e honesta, e não tem medo de assumir seu erro, seu engano em relação a pessoa integra e respeitadíssima do professor Abílio Cesar Bortoleto, pessoas de consciência como o senhor Dilney Campos, que teve hombridade indicando, um caráter íntegro e nobre:, postou nas redes socais novamente, agora reparando seu erro anterior:
“lembrei de algo
terrível que aconteceu em Santos! UMA MULHER
INOCENTE FOl LINCHADA POR CAUSA DE
CALÚNIAS FEITAS POR ALGUÉM MAL
INFORMADO. Eu Dilney Campos venho a público
me desculpar com o Professor Abílio, por incitar a
sua exoneração. Fiquei sabendo que no
momento em que ocorria o ato de crueldade ele
estava falando ao telefone e ficou paralisado ao
ver a cena que se passava diante dos seus olhos!
Parei e pensei… será que eu teria agido
diferente? Será que estupefato com a situação eu
também ficaria TRAVADO? Há muitas situações
na vida que nos fazem agir ou nos paralisam.”
Como professor trabalhando na convivência do professor Abílio, descobri que ele é um profissional de muitas qualidades. Ademais, foi de grande relevância para o resgate da imagem da escola, que estava muito desgastada e fragilizada, pois vi no dia a dia ele pondo em prática, sua sabedoria especial, sua ciência social, sua delicadeza no trato com as pessoas que possibilitaram ele realizar junto com a comunidade escolar, a difícil tarefa unir professores, funcionários, pais e comunidade.
A união pela causa de fazer avançar a educação pública, agora num patamar muito mais positivo, com o corpo docente unido e dialogando com a comunidade.. As habilidades e competências do professor vão além do lugar comum, e trabalha com obstinação e coragem que trouxeram a ele, o professor Abílio o prestígio e o grande respeito de toda a comunidade piracicabana. .
Atenciosamente,
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Magno Peres Rodrigues
Professor Efetivo – Rede Estadual
RG 9.196.208-0
CPF 015.892.268-95
magnoperes@gmail.com
55 19 988 195222 e
55 19 33012177
Piracicaba, 20 de julho de 2020
Residente: Rua do Vergueiro, 216 – Centro – Piracicaba
Estado de São Paulo – CEP 13400 770
Meu caro Edvaldo Bortoletto, em que o contexto, que prazer imenso esse reencontro depois de tantos anos. O respeito que tenho por você é imenso, não dá para gradar! Obrigada pelas palavras de respeito dirigidas a mim. A vida tem nos ensinado a ter coerência em situações mais adversas! Confesso-lhe que não é fácil!
Concordo com as suas considerações ao texto de minha lavra publicado nesta página e, apenas quero destacar que sempre é tempo de revermos posições (às vezes) equivocadas que adotamos, igualmente posturas e ou atitudes.
Não tinha a menor ideia de quem era o professor presente naquele ato envolvendo o cachorro, mas independente de quem fosse me manifestaria, pois sempre é tempo rever conceitos. Nosso País precisa mudar! Não é aceitável que quando acontece algo desabonador com um conhecido nos calemos e quando é estranho botamos o boca no trombone!
Igualmente, concordo com você que se por um lado as redes sociais romperam com os espaços midiáticos convencionais e nada mais resta incólume, por outro têm sido terra arrasada de ninguém. Mas, também, estamos num processo de aprendizado de como lidar com essas ferramentas. Estas precisam se transformar em espaços de democratização das informações, jamais em instrumentos de linchamento seja de quem quer que seja, igualmente, produção de fake News. Isto é a destruição!!!!!!
Por último, independentemente de quem for a pessoa e o caso que no qual está envolvida, há que garantir os princípios basilares da Carta Mágna: o do direito à mais ampla defesa e a presunção da inocência!
Meu mais sincero agradecimento pela sua manifestação!
Abraço!