Juventude e novos contextos culturais

8f“Ouvi, então, a voz do Senhor que dizia: Quem é que eu vou enviar? Quem irá de nossa parte? Eu respondi: Aqui estou. Envia-me!” Is. 6,8

 

A temática da juventude e a nova ambiência das redes sociais descortinam-se como aspectos fundamentais a caracterizarem a cultura contemporânea. Compreender os anseios, perspectivas juvenis e os impactos das redes sociais na formação talvez se configure como o grande desafio do tempo atual. O que está em pauta, em questão é justamente o modelo ético de ser humano e de sociedade que vem se delineando, principalmente sob a égide de relações forjadas virtualmente, em um universo global e interativo de simulações e simulacros. Longe de assumir uma postura saudosista, pessimista, rígida, fechada, a enfatizar apenas os limites e fracassos da cultura atual, é preciso abrir sinceros espaços de interlocução com os jovens, adentrar em seus ambientes, dialogar com suas representações, compreender e se aproximar de suas expectativas, orientar seus projetos.

Com o intuito de adentrar e enfrentar a temática juvenil e os desafios do universo midiático é que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe e articula a Campanha da Fraternidade 2013 com o tema Fraternidade e Juventude, sob inspiração da resposta profética de Isaias “Eis-me aqui, envia-me”. A temática suscitada e proposta pela CNBB desvelam-se como de suma relevância a ecoar para além dos espaços eclesiais, envolvendo tanto o poder público como toda a sociedade civil organizada.

A aldeia global, dinamizada pelos meios de comunicação social – e mais precisamente pela internet – criou uma nova ambiência cultural dominada, sobretudo, pelos jovens. É no contexto de intensa interatividade virtual que o jovem passa a receber as influências fundamentais para a formação de sua subjetividade, definindo a base de seus princípios éticos. É preciso então se aproximar e examinar tal ambiência cultural, identificando e ressaltando suas contribuições e avanços, mas também denunciando seus limites, desvios, distorções.

A nova ambiência cultural insere-se em um contexto mais amplo de economia neoliberal, pautada em uma lógica de mercado competitivo, a reforçar posturas de consumismo e de individualismo. Uma cultura complexa e paradoxal que se, por um lado, exalta o relativismo, flerta com o hedonismo e tangencia o niilismo, por outro lado, assume posturas fundamentalistas e conservadoras. Uma cultura instável, marcada pela vulnerabilidade da família, pelo enfraquecimento de instituições tradicionais, pela banalização perversa da violência, por relacionamentos afetivos superficiais, desprovidos de envolvimentos profundos e compromissados. Uma cultura que pode lançar o humano, o jovem a uma profunda crise de sentido existencial.

As profundas mudanças culturais que caracterizam o contemporâneo também comportam aspectos sugestivos, positivos, a indicarem, ressaltarem possibilidades de vida. A valorização da pessoa, de sua subjetividade, de seus anseios mais íntimos, a buscar um sentido maior para a existência, abrindo-se para a transcendência, configura-se como um elemento forte e fundamental. Outra dimensão interessante, própria da juventude atual, consiste no reconhecimento da diversidade cultural, compondo um quadro de respeito à alteridade. A maior sensibilidade ecológica tem levado a juventude a se engajar e se comprometer com propostas alinhadas à sustentabilidade.

 O fascínio, encantamento pelo viés tecnológico possibilitou ao jovem um total domínio e conhecimento dos recursos das redes sociais, a tal ponto que sociologicamente poderíamos dizer que a ambiência tecnológica das redes virtuais compõe-se como o espaço privilegiado, o habitat cultural do jovem – nativo digital. A Campanha da Fraternidade vislumbra uma aproximação educativa com o jovem justamente neste ambiente de novas tecnologias. Para tanto, a Igreja do Brasil coloca-se o desafio de implementar uma verdadeira conversão pastoral, fazendo uma radical opção preferencial pelos jovens, especialmente pelos que se encontram em situação de maior fragilidade social. Sob esta perspectiva, a Campanha da Fraternidade lança o contundente convite para que toda sociedade – espaços eclesiais, poder público e sociedade civil – envolva-se em um vasto movimento evangelizador, educativo em prol da juventude.

Trabalhando com a tríade metodológica ver, julgar e agir, a Campanha da Fraternidade procura primeiramente conhecer em profundidade a realidade juvenil, vislumbrar, destacar os critérios éticos, evangélicos a orientarem posicionamentos ante tal realidade e apresentar caminhos para o enfrentamento e suplantação de uma cultura não condizente com o projeto de uma Civilização do Amor.

É fundamental que a juventude perceba a importância da concepção de um projeto de vida, original, alternativo, único, capaz de fazer frente ao vazio, à ausência de perspectiva existencial, que muitas vezes envolve, marca a cultura contemporânea. Sob inspiração de elevados valores explicitados nos Evangelhos – tendo a prática de Jesus Cristo como modelo e referência –, os jovens devem prospectar seus projetos de vida, alcançando as escolhas individuais, subjetivas, mas também vislumbrando o bem coletivo, a dimensão política, o engajamento, comprometimento com a transformação social, tendo como perspectiva maior a edificação de uma sociedade que caiba todos.

A realidade juvenil deve ser compreendida como lugar teológico. É preciso enxergar no rosto dos jovens – principalmente da juventude em situação de maior fragilidade e exclusão – a revelação dos sinais proféticos do tempo, as possibilidades abertas do humano, os anseios por uma nova era, os planos amorosos do próprio Deus. Todo o processo e movimento de transformação para um novo tempo deve ter a juventude como protagonista. A ousadia, vitalidade, sinceridade, transparência, energia juvenil devem estar a serviço da edificação de uma nova sociedade, alavancada nos princípios da ética, amor, igualdade, fraternidade, inclusão, tendo as redes sociais, a ambiência virtual como um meio, um veículo para a propagação da Civilização do Amor.

 

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Adelino Francisco de Oliveira é teólogo e filósofo. Mestre em Ciências da Religião, é doutorando pela Universidade de Braga – Portugal.

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16 thoughts on “Juventude e novos contextos culturais

  1. Caro mestre Adelino,
    Ao ler sua matéria o primeiro impacto foi de saudades. Com relação ao texto,minhas limitações como historiador impedem de propor qualquer adendo.Portanto,o texto esta impecavel na sua forma e conteúdo.
    Parabéns! José

    1. Estimado Prof. José De Marco,

      Agradeço pela interlocução. A saudade é recíproca. Conheço bem suas qualidades como historiador, motivando, entusiasmando os jovens na aventura do conhecimento.

      Esteja bem!

  2. Olá Profº Adelino!

    Adorei ler esse artigo seu, muito bom para a reflexão dos dias de hoje, um tema por sua vez muito polêmico e muitas vezes muito dificil de lidar, religião versus tecnologia não é mesmo?!
    Acredito também que articulando os jovens nesse contexto entre religião e mídia, sempre dosando a tecnologia na vida dos jovens, teremos e viveremos em um mundo onde haja a Civilização do Amor, que é primordial em nossas vidas.
    Com tanta tecnologia, e-mails e redes sociais, nos esquecemos de conversar olho no olho e isso é o que faz mais falta na sociedade de hoje em dia, é isto que faz aproximar uns as pessoas.
    Enfim professor, parabéns mais uma vez pelo artigo. Gostei muito!!!!

    Abraços.
    Jaque.

  3. Estimada Jaque,

    Agradeço pela oportunidade de interlocução. De fato a relação da juventude com as redes sociais compõe-se como um desafio para todos os espaços educacionais. É preciso que os educadores aprendam a dialogar com os jovens, interagindo com eles na ambiência virtual.

    Esteja bem!

  4. Mais um texto seu que me fornece oportunidade de reflexão sobre nosso mundo atual, Professor Adelino.
    Revelou-me uma leitura lúcida e, como sempre, perspectivas espiritualizadas e de firme esperança para a situação do jovem diante da tecnologia moderna. O mundo virtual nos abriu caminhos para uma nova cultura, postura, possibilidades das quais não podemos negar a grande importância na formação da juventude.
    Para mim, a Campanha da Fraternidade/2013 começou com seu texto.
    Parabéns!

    1. Estimada Zilma Bandel,

      Você é sempre generosa em seus elogios. Obrigado! O tema da juventude e os meios virtuais de comunicação social é mesmo desafiador. A formação dos jovens deve ser preocupação de todo o extrato social, não apenas das igrejas.

      Esteja bem!

  5. Olá Adelino.
    Que texto fantástico! Ao mesmo tempo que mostra um aspecto preocupante de como a fissura pelas redes sociais e demais recursos tecnológicos magnetizantes pode conduzir as pessoas, e os jovens em especial, a um esvaziamento interior, e um consequente turvamento dos horizontes, apresenta uma proposta de visão de uma realização cultural promissora, com ela e apesar dela, se houver uma preocupação educacional, pessoal e comunitária de revitalizar as relações humanas, tendo também como mote as pegadas do Cristo e seu projeto de vida. É, sem dúvida, um apelo e um propósito louvável da CNBB, que deve ser atendido e conduzido por todos, para o bem de nossas famílias, de nossas instituições e da sociedade.
    Grande abraço e parabéns.

    João Batista

    1. Estimado amigo e irmão João Batista,

      Não é possível apenas assumirmos uma postura de crítica e distanciamento das redes sociais, ressaltando unicamente suas fragilidades e limites. Talvez o grande desafio seja justamente transformar os recursos tecnológicos em meios a favor da educação, da formação. Talvez você se recorde do Último Discurso, de Charles Chaplin, no filme O Grande Ditador… no texto Chaplin exalta, ressalta o potencial do avanço tecnológico em prol do humanização… Chapplin já apontava um caminho…

      Esteja bem!

  6. Sensacional! Só podia ser do caríssimo Prof. Adelino. Obrigado por compartilhar conosco. Este seu artigo está “bombando” nas redes sociais ( Facebook e Twitter ). O Sr. precisa fazer um Facebook, Twitter, Google+, etc; … até o nosso estimado “Papa” já está nas redes sociais. rsrrsss … Assim nós “jovens” teríamos ainda mais e melhores oportunidades de bons ensinamentos e reflexões …

    1. Prezado Prof. Manuel Janeiro,

      Agradeço por seu comentário e sábio conselho. De fato, vivo um paradoxo entre a análise teórica e a dimensão prática, preciso avançar mais na utilização das redes sociais. Apesar de saber do potencial de comunicação das redes sociais, ainda resisto internamente em uma utilização mais ampla dos recursos da internet.

      Esteja bem!

  7. Caríssimo Mestre Adelino
    Sinto-me a vontade para confessar, que sou admirador de seus escritos e antes de lhe parabenizar, este artigo sobre a juventude foi lido pela terceira vez, tentando alcançar a profundeza de suas intenções,
    Parabéns, continuo seu admirador, lembrando que, o futuro esta nas mãos da juventude atual, que com DEUS no coração,facilitara a vivência das próximas gerações.
    Que o Eterno Nosso DEUS, continue iluminando seu caminho, na esperança de um mundo melhor com justiça social.
    Com o respeito que merece, aceite meu abraço.
    Jayme

    1. Estimado Jayme Rosenthal,

      Obrigado, mas já conheço sua generosidade e bondade. Também admiro sua postura acolhedora e aberta ao diálogo.
      O tema da juventude deve ser preocupação de todos, independente de tradição religiosa.

      Esteja bem!

  8. Caro Mestre Adelino!
    Que o verdadeiro objetivo da CF 2013 atinge os corações da nossa juventude tão explorada pela vida mundana, do ter, do poder, da ganância e principalmente da falta de ética. Que o amor incondicional de DEUS desperte nossos jovens…
    Sempre continuarei admirador de suas colocações densas e revelantes que nos remetem ao questionamento.
    Um forte abraço desse seu sempre amigo que está sentindo muita falta da sua presença.
    Esteja bem!

    Luiz Edinaldo

    1. Estimado Edinaldo,

      Sou grato por sua demonstração de apreço, estima. É bom encontrá-lo novamente neste espaço virtual. O tema da Campanha da Fraternidade é mesmo instigante e desafiador. O diálogo aberto e sincero com os jovens, nos ambientes das redes sociais, é um passo fundamental que deve ser dado por toda a sociedade, não apenas pela Igreja.

      Dê um forte abraço na turma!

      Esteja bem!

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