A Justiça só pode nascer do Direito

A Justiça só pode nascer do Direito

Os eventos que compõem a história política do Brasil estão repletos de tramas, conspirações e manipulações. Parece que o país sempre esteve sob o fogo cruzado de interesses privados, colonialistas, articulados por governos estrangeiros e grandes grupos internacionais. Foi assim desde o início, com o simulacro de independência, sob as encenações, às margens do Ipiranga, protagonizadas por de Dom Pedro I. No contexto de disputas por regiões de influência, já no avançar do século XX, foi a vez de os Estados Unidos fazerem do Brasil e da América Latina o seu grande e rico quintal colonial.

As recentes publicações do jornalista Glenn Greenwald, do The Intecept Brasil, acerca de conversas travadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador federal Deltan Dallagnol trazem à tona um velho mecanismo histórico de manipulação, que procura usurpar do povo sua autonomia e autodeterminação política. Parece um antigo e perverso enredo, no qual o grande capital, em conluio com espionagem estadunidense, busca determinar o destino do país, relegando-o a uma condição de contínua dependência econômica e tecnológica. Talvez o mais inusitado seja que o agente da vez tenha sido um juiz de primeira instância, que passou incólume por instituições superiores, que teriam a incumbência de zelar pela democracia.

O que se coloca em questão vai além das temáticas de inocência e liberdade do ex-presidente Lula. As conversas entre juiz e promotoria escancaram o que já estava sendo denunciado pelas forças democráticas: Lula é um preso político. O povo brasileiro teve a sua prerrogativa democrática violada. Os conspiradores almejavam influenciar no resultado da eleição presidencial de 2018. Em uma sociedade democrática, o processo eleitoral, como expressão máxima da soberania popular, é sempre revestido de uma autoridade fundamental, pois é o momento em que o povo manifesta, em sufrágio universal, sua vontade e anseios. Manipular esse processo consiste em conspirar contra o povo, o país, a constituição.

A compreensão contemporânea de Estado Democrático de Direito encontra seus fundamentos na moderna teoria política. Especificamente sobre a importância do juiz na consolidação e manutenção do direito, como caminho para a justiça, destaca-se a contribuição do pensador inglês John Locke. Como filósofo contratualista, o pensamento de Locke pode ser considerado como uma das principais referências da teoria política moderna. Sua contribuição teórica situa-se no campo do constitucionalismo liberal.

Na concepção política de Locke, a legitimidade de um governo reside no consentimento da maioria. A sociedade organiza-se como Estado por meio de um contrato social. Ao Estado cabe garantir a efetividade e a universalidade de todos os direitos – à vida, à liberdade e à propriedade. Para o filósofo, todos os indivíduos nascem em condições de igualdade, em sentido jurídico. O que traria coesão à sociedade seria justamente a atuação de um juiz imparcial, habilitado a instaurar uma ordem pautada no direito e na justiça. As forças que articularem para a promoção do rompimento do pacto social, usurpando direitos constitucionais e lançando a sociedade a um estado de guerra, devem ser execradas, repudiadas e combatidas com o máximo vigor.

O desafio que se coloca neste momento histórico consiste na construção de uma democracia de alta intensidade – capaz de romper com o fardo colonial de interesses pequenos e não republicanos –, dinamizadora de uma sociedade equânime, atenta aos direitos humanos. Não se alcança a justiça sem a estrita observância do direito. Meios corrompidos não podem conduzir a fins éticos. Do complô, da traição, do conluio, da trama rasteira, da corrupção do direito não pode advir nada que seja justo. É preciso que o povo brasileiro, na dinâmica da luta política, em unidade de todas as forças democráticas, desencadeando um amplo movimento em defesa do direito e da justiça, faça valer sua cidadania, forjando nas ruas um projeto de país para todos.

 


 

Adelino Francisco de Oliveira é filósofo, professor no Instituto Federal campus Piracicaba e um dos editores do Diário do Engenho. 

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