È più forte di una morte incomprensibilie! A morte, de maneira impositiva, coloca-nos diante do drama da finitude. A vida cumpre um ciclo, que um dia chega ao seu ocaso. Mas a mesma morte também nos lança para a perspectiva da transcendência. A vida segue um ciclo, que ultrapassa a própria morte e a noção de finitude. A materialidade do corpo se esgota com a morte. Mas a vida em si, o que há de essencialidade em nós – talvez de divino em nós –, avança para além da corporeidade, alcançando agora outra maneira de se revelar como vida. Eis a nossa mais sincera esperança!
John, o tempo andou mexendo com a gente! Tem sido mesmo bem triste e difícil pensar a vida sem a presença do meu querido irmão mais velho. Mesmo na distância, era bem cômodo saber que ele estava ali, pronto para ouvir, sorrir, fazer uma graça, dizer algo irreverente e terminar a conversa com algum bom conselho: Bilu, está tudo bem! Meu Deus, como o João se fez tão sensato, ético e prudente! Sempre com posicionamentos interessantes e lúcidos sobre todos os temas: política, relacionamento humano e até religião. Fonte de bons conselhos, dialogar com o João não deixava de ser uma forma de alento e amparo.
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais! Na razão mais fria, sei que o que se deve contar não são os anos, a quantidade, mas a qualidade de uma vida bem vivida. Mas as pessoas boas, iluminadas deveriam ficar muito mais tempo por aqui. Acho até que esse seria um critério de justiça: quem tem muito o que dar, terá mais tempo para distribuir seus belos dons. João Francisco foi uma dessas pessoas raras, que, como Pandora do mito grego, recebeu ao nascer todos os dons, para ter uma vida incrível, cheia de possibilidades, mesmo que relativamente breve.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã! Fico aqui pensando em uma palavra que pudesse se aproximar da força que significou a sua existência. João acabou tendo tantas formas de existência em uma mesma vida. Mas a generosidade talvez seja uma justa síntese, para dizer algo com sentido sobre uma existência tão intensa, transbordando humanidade. Sem dúvida, o João sempre foi uma pessoa profundamente humana e generosa. Altruísta, João estava sempre alerta, pronto para socorrer o outro. Mesmo que isso colocasse sua própria segurança em risco. Seria uma espécie de herança materna, ancestral? Ou foi algo que ele apreendeu e cultivou? Não sei, mas conheci bem de perto sua capacidade de amar e ser generoso. Expressões assim de humanidade, amor e generosidade certamente guardam o dom da eternidade!
Ter bondade é ter coragem! São tantas boas e vivas memórias que poderiam compor até alguns livros bem interessantes e edificantes, de encher a alma do leitor. Sinto que as meninas, minhas filhas amadas, até se deleitam ao ouvir as muitas histórias que guardo na memória. Nelas, sem exagero, o João sempre aparece na representação de um verdadeiro herói, imbuído dos princípios éticos mais nobres e elevados. Só para ilustrar, lembro-me daquela vez, lá no bar do tio Bibi, no Grajaú em São Paulo, quando um jovem, sob efeito de drogas, sacou um revólver e queria atirar em meu pai. Sem hesitar, o João entrou na frente da linha de tiro, não vendo outra saída para proteger o imprudente Laurentino. Aquele gesto de amor e também de coragem me impactou profundamente.
Meu filho vai ter nome de santo! Ambos éramos Francisco. Confesso que sempre tive certo orgulho ter o segundo nome igual ao do João. Aliás, o nome pode revelar algo sobre a essência? Sob o signo de Francisco, João tinha um profundo laço com a natureza. O tempo do escotismo já revelava aquele seu vínculo e respeito para com o meio ambiente. Essa visão ecológica do João perdurará por toda sua vida, na alegria de estar em permanente contato com a natureza. Atento aos movimentos do mundo, sua leitura política o colocava também alinhado às posições mais avançadas, sempre do lado da justiça e dos direitos humanos. João, homem negro, morando na periferia de São Paulo, sobreviveu a um mundo racista e hostil. Compartilhávamos das mesmas utopias!
Teremos coisas bonitas para contar! As longas caminhadas, os percursos por desafiadoras trilhas, a precariedade dos acampamentos, tudo demarcava uma forma de vida, tomada pelo despojamento e por experiências incríveis. Cada vez que o João retornava de um acampamento, com seu velho chapéu e sua surrada mochila, trazia novas e empolgantes histórias. Suas narrativas enchiam minha alma desde criança. Em minha imaginação eu vivia cada uma daquelas experiências, tão fantasticamente narradas em tantas noites em claro, em rodas em volta da fogueira.
E a tempestade que chega é da cor dos seus olhos castanhos! A passagem do João, no último dia 21 de novembro de 2025, traz uma dor imensa e um sentimento de vazio e ausência. Sou profundamente grato por ter tido a genuína sorte de ter o João como irmão mais velho! Fonte inesgotável de inspiração, tivemos juntos dias de luta, mas também muitos dias de glória. Que o João Francisco repouse agora na Transcendência da Vida. Até breve meu amado irmão e amigo!
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.
(Foto coleção particular do autor: João, Jeane e Adelino)
