A tolerância é a melhor das religiões, escreveu o grande escritor francês Victor Hugo. Artista sagaz e profundo conhecedor da burguesia do século XIX, Hugo descreveu como poucos a alma dos “les misérables” franceses – repletos de orgulho, de falso moralismo e de intolerância. Da França de Hugo ao mundo do terceiro milênio, como poderemos, como fizera o poeta em seu tempo, associarmos hoje as palavras tolerância e religião – de natureza tão antagônica na boca e no pensamento de alguns cidadãos – sem ferirmos o brio que move os fiéis praticantes das mais variadas crenças? Quer dizer, e apenas para tomarmos um exemplo como ponto de partida para o que aqui se quer discutir, num mundo em que muçulmanos fundamentalistas pedem – a plenos pulmões e em plena Assembleia Geral da ONU – pela extinção do povo hebreu, jurando-o de morte, parece evidente que as palavras tolerância e religião distanciam-se simetricamente e a passos largos na contemporaneidade.
Por outro lado, a História também nos ensina que, há milênios, a intolerância religiosa é uma das principais forças motrizes das guerras – ao lado, obviamente, da disputa pelo poder e por bens materiais. No entanto, quando a disputa pelo poder e por bens materiais se junta então à intolerância religiosa, a eminência de uma “batalha santa” e sangrenta se nos apresenta brutal e, quase sempre, se rompe sob a forma dos genocídios. Afinal, Cristãos não foram perseguidos e martirizados pelo Império Romano por conta de sua religião e de sua ascensão popular? Séculos depois, esses mesmos cristãos não martirizaram os que protestavam contra a Igreja durante a chamada Idade Média? Por sua vez, esses que protestavam e eram perseguidos pela Igreja não se tornaram perseguidores tão bons quanto seus mais terríveis algozes, quando ao cruzarem o Atlântico vieram colonizar e evangelizar as terras norte-americanas (quem eram os “Quakers” mesmo?)? Séculos depois, não foi a vez dos próprios americanos perseguirem os (ateus) ditos comunistas dos países sulamericanos – financiando e sustentando cruéis ditaduras por aqui?
Ora, o chamado “estado de exceção” preconizado em catastróficos momentos bélicos na história da humanidade nos revela que, à força das armas, é comum subjugar-se também o ser humano a aceitar forçosamente a um determinado deus ou a uma imposta “palavra sagrada” – sob a pena de, ao recusar tal fé, sofrer o “infiel” o cerceamento de sua liberdade, vindo, muitas vezes, a pagar por seu ato de “rebeldia”com a própria vida. Pois, quem eram mesmo os chamados cristãos novos? O que fizera Hitler contra os judeus e testemunhas de Jeová? Sob o prisma da predestinação, a prática desta ou daquela determinada religião parece ainda querer nortear a escolha daqueles que, em seu íntimo, desejam controlar o povo em impingir-lhe uma lei e uma moral pré-formatadas. Clico terrível de violência, é a intolerância religiosa um dos cânceres que aniquilam a sociedade e põe em risco a liberdade e a paz entre os seres.
Nesse sentido, em voltado nosso olhar ao mundo local, cumpre reprovar a atitude extrema tomada contra um cidadão piracicabano que – ao se recusar a ficar em pé durante a leitura da Bíblia em sessão plenária ocorrida na Câmara dos Vereadores de Piracicaba – fora retirado do local pela polícia que ali fazia a segurança. Imagem negativa veiculada na mídia nacional na última terça-feira, dia30, a ridícula ação tomada pelos nobres vereadores piracicabanos lembra – em muito – a intolerância religiosa imposta por estados fundamentalistas radicais e expõe a fragilidade intelectual e o falso “bom coração” de nossos políticos (e de boa parte de nossos cidadãos também). Ou seja, se vivemos (felizmente!) num Estado laico e de direito, como insistem em reafirmar a todo momento os nossos caros “políticos,” com que direito se pode expulsar um cidadão de uma sessão pública ordinária, ocorrida em local não religioso, simplesmente por que esse cidadão se recusou a ficar de pé quando da leitura de um determinado texto sagrado?
Num estado laico e em uma sociedade multicultural e multifacetada como a brasileira, abrir uma sessão camarária fazendo a leitura de um texto pertencente a apenas uma vertente religiosa (seja ela cristã, judaica, islâmica, umbandista, budista ou outra qualquer) já é, no mínimo, pura falta de educação, falta de respeito e intolerância. Câmara de Vereadores não é igreja. Afinal, será que querem os nossos políticos, além de subirem os próprios salários ao bel prazer, determinar agora o texto sagrado que os cidadãos piracicabanos devem adorar (se é que os cidadãos querem adorar algum texto)? Ora, até mesmo o velho e nada democrático Frederico – “o Grande” – sabia que, “ se o céu existe, todas as religiões devem ser toleradas, pois cada um de nós tem o direito a ir para o céu a sua maneira.” Mas os nossos nobres políticos piracicabanos ainda não sabem disso. Lamentável.
Depois de ouvir trechos dos discursos inflamados de vários vereadores na última sessão da Câmara à propósito da leitura da Bíblia na abertura da reunião, comecei a temer que não levará muito tempo para as que fogueiras comecem a ser acesas nas praças de Piracicaba. Teria sido cômica se não fosse trágica a situação… Ouvir argumentos autoritórios e ao mesmo tempo simplórios e toscos. Deplorável pensar que eles nos representam.
Amplo e brilhante olhar dos caminhos da intolerância, de vários tipos e intensidade, na história mundial!
Bastante interessante a visão de quem deu essa ordem de expulsão, achando que estaria, com perfeita obediência aos ritos e leituras sagradas, reverenciando e homenageando Deus. Não acham???!!!
Penso que nenhum ritual que se diz sagrado (ou não…) pode dispensar a tolerância, o respeito, e mesmo a caridade, em sua prática.
Lamentável o acontecido,e lamentável também a exposição a que esse cidadão foi submetido.
Encerrando essa reflexão como a Josiane, deplorável! E são esses nossos representantes…
E vejam só a incoerência: O vereador João Manoel dos Santos votou, no ano passado, a favor da prática cruel do sacrifício de animais em rituais religiosos alegando que não se pode ferir a liberdade de crença.
Mas mandou policiais retirarem um homem do recinto da Câmara à força porque ele não ficou de pé durante leitura de um salmo da bíblia…
quando eu entro em uma mesquita para visita-la eu CRISTÃO tiro o sapato e sigo o ritual em respeito ao local que estou, então em uma sociedade CRISTA que elege seus dirigentes que por sua vez criam normas e procedimentos, rituais, regimentos, etc, quem adentrar ao recinto independente de religião, deveria respeitar o procedimento da casa!!! EU APROVO A ATITUDE DOS NOSSOS REPRESENTANTES LEGÍTIMOS ELEITOS PELA MAIORIA DO POVO, se ele não concorda com o procedimento da casa ele deve eleger vereadores ATEUS ou de outros crédulos e então mudar o regimento, o que este cidadão fez foi falta de respeito com a casa e com quem estava lá. falta de respeito merece o que levou!!! pode ser da religiao que for, foi só falta de respeito com os demais, ai vem a inversão de valores, quem faltou com o respeito? esse cidadão ou os outros 250 presentes que levantaram??? aplaudo de pé quem teve a atitude de coloca-lo pra fora!
Prezado internauta Idinaldo Créspio. Em primeiro lugar, agredecemos a você pela leitura e visita a nosso site – e também o agradecemos por suas considerações. Afinal, lembrando a frase antológica de Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra.”
Por outro lado, temos de considerar que a sua tese pauta-se em argumentos que são, no mínimo, inconsistentes. Somos forçados a acreditar que o respeitável leitor não entendeu o caso em questão, ou que talvez desconheça, em especial, o que vem a ser uma Instituição.
Nesse sentido, talvez seja interessante lembrar que a instituição religiosa difere da instituição política já em sua natureza. Ou seja, uma Casa de Leis (como a Câmara dos Vereadores) nada tem a ver com religião – pelo menos em nosso país, sustentando no Direito do Estado laico. Não há de se praticar nem muito menos se impor uma prática religiosa nesse local. É lei! Importa dizer, também, que essa igualmente tem sido a opinão dos juristas e advogados que se manifestaram sobre o caso na grande mídia da cidade e do país. Lembro ainda que um regimento interno não pode se sobrepor à Constituição Nacional. Fato que faz, a meu ver, a ação extrema da Câmara de Piracicaba ser ilegal.Retomando o que dissemos em nosso editorial, Câmara não é Igreja.
É curioso notar ainda em seu comentário um certo tom de repúdio ao trabalho da imprensa – e ao nosso, em especial. Seria importante refletir, caro Idinaldo, que tem sido a imprensa (nacional e mundial) a responsável pelo registro e exposição das mais terríveis ações escusas que assolam a sociedade. Reflita: é a imprensa quem cria os fatos ou é ela quem os expõe.
É claro que, como em todas as intituições (assim como acontece na Câmara, também), há profissionais que são ora mais ora menos qualificados para o que fazem. Todavia, sabemos que os menos preparados não se mantém – ou logo são reconhecidos. Não sendo o caso de nosso site -que há quase 3 anos mantém uma média de acesso próxima dos grandes sites de opinião da rede.
Desta feita, é imperativo assinalar ainda que acusar a imprensa pela situação de um país é uma ação comum ao grandes ditadores (precisamos citar nomes?) e às pessoas comuns que, certamente não é o seu caso, mal instruídas transferem, de forma “simplória,” os problemas sociais para quem os divulga.
Vale a pena refletir sobre essa questão também.
Mais uma vez, agredecemos pela visita online e leitura de nosso site!
Lembrando que a Câmara não é igreja, nem mesquita, nem templo, é apenas a Casa do Povo que deve ser respeitado em suas crenças.
realmente, o cara preferiu ser expulso do que respeitar as normas da casa e sua maioria CRISTA, e vocês com esse papo de intolerância? quem foi intolerante? nao respeitar o local onde esta não é ser intolerante? todas as demais pessoas teriam obrigação de tolerar este cidadão? e ele não poderia ser respeitoso e ficar em pé? e você vem falar em tolerância? haaaa… para de inverter os valores… por isso a sociedade esta podre…porque formadores de opinião barata difundem idéias distorcidas!!!
Lamentável,
Bela colocação Zilma,nenhum ritual que se diz sagrado,pode dispensar tolerância ,respeito a caridade sua pratica.
Meu caro Editor, não tenho pretenção de corrigir o mundo, mas me nego aceitar a atitude deste cidadão, existem formas corretas pra se fazer isso, se voces não querem leitura da escritura sagrada, façam um projeto e solicitem o fim disto, mas enquanto existir este procedimento que todos respeitem o ato! tolerancia é isso!
quanto a minha aversão onde é incosistente? um cidadão desrespeita dezenas de pessoas em um recinto e a midia diz que essas dezenas de pessoas estão “erradas” e que este cidadão esta certo! depois eu é que sou inconsistente? voce tem meu email e meu nome, de voce nada sei, por favor me faça um gentileza, me mande por email alguns bons motivos para que eu mude de idéia. gostaria de evoluir e ter essa grandeza de pensamento!
negar um simples ato de ficar em pé não é ser intolerante? se não for eu não sei mais o que são valores morais e respeito! abraço!
eu sai sem dizer da matéria, isso me incomodou, o texto da matéria e a forma que foi elaborada é de excelente qualidade, não questiono sobre isso, alias neste ponto você esta de parabéns, trata-se de um profissional no que faz. Quanto ao motivo que levou a matéria é que me permito a discutir, em meu ver trata-se de uma questão de respeito e tolerância e não de Religião, pois alguém que prefere ser expulso de um recinto a se por em pé em sinal de respeito para leitura de um texto (seja ele qual for), não me parece ser considerado uma pessoa de princípios nobres e que mereçam ser defendidos!
Tem algo errado na discussão. O Regimento da Câmara diz que a Bíblia será lida, MAS NÃO QUE AS PESSOAS DEVEM OUVIR DE PÉ. Aliás, o próprio assessor jurídico diz que o cidadão foi retirado porque teria desrespeitado a ele, assessor, não porque não havia ficado de pé. Houve sim, arbitrariedade. No mais, penso que Deus não quer gente em pé. Quer corações atentos.
Costumo ler seus artigos, Luis Fernando, e me agradam bastante, pela lucidez na argumentação, pelos temas de relevância que são abordados, pela propriedade com que suas reflexões são expostas.
“Deus não quer gente em pé. Quer corações atentos”
Obrigada.