O episódio em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo de maneira áspera, com palavras duras e derrubando as bancas dos mercadores, é o único relato que temos dele usando a força física para mostrar sua indignação (João 2: 14-16). Ele já havia sido pesado em palavras antes disso, confrontando os Escribas e Fariseus que faziam plantão para lhe irritar, mas dessa vez é contundente, fica irado, nervoso, ofendido pelas afrontas que faziam a Deus.
Certamente isso choca aqueles que não conhecem bem o Nazareno, jovem profeta, que peregrinou na companhia de doze discípulos pela aridez da Palestina antiga, apavora quem acredita que a mensagem evangélica serve somente para acalmar os ânimos, conter os que tem fome e sede de justiça. A atitude desse Cristo virando a mesa, chicoteando, vai na contramão dos que se utilizam da religião para acalmar as insatisfações de um povo sofrido por carregar sozinho o peso dos desmandos de uma política parcial e desmoralizante. Muitos pensam que basta fazer um culto, uma missa, uma “live” junto de um padre ou de um pastor famoso, ter a imposição de mãos de uma dezena de políticos disfarçados de pastores, para aquietar as vozes da coesão e a reflexão de mentes que ainda pensam, de religiosos que ainda caminham pelos caminhos de Jesus, mesmo que isto não esteja em moda.
Na verdade, mesmo Jesus tendo espantado os especuladores da Igreja, eles desavergonhadamente, permaneceram nela. Tempos depois, o cristianismo foi outra vez questionado quando passou a vender indulgencias, colocando preço na salvação da alma e prometendo certo conforto para a vida pós morte. A igreja se prestou a essa mercantilização, se perdeu na ambição pelo monetário, se desfez diante das tentações do ouro e da prata, construiu palácios, pôs preço em suas relíquias, quantificou em números coisas que não tem valor. Mais recentemente passou a vender bençãos, soube bem explorar a ambição humana, vendeu a fé a prazo, em carnês, em cartão de débito ou crédito, do tipo “fazemos qualquer negócio”. Prometeu casa na praia, apartamento, riqueza em representações teatrais apresentadas diuturnamente pela TV.
Mas agora surge um outro tipo de vendilhões, “sacerdotes”, ministros, que vendem-se a si mesmos, seu caráter, sua opinião, a ética e a própria consciência. Um tipo de pastor que trocou a vocação por favores, influência e cargos, que se iludiu com o brilho do palácio e não se importou com princípios, jogou fora seu papel profético, se distraiu com as delícias dos banquetes e deixou pra trás o ofício santo de alguém que um dia se dispôs a ser voz de Deus para denunciar qualquer tipo de injustiça, engano e mentira. Infelizmente esse é o evangelho que assistimos pela TV, de religiosos que trocaram o colarinho clerical pela farda, que retomaram o moralismo enrustido há tempos para se sujeitar aos desmandos de um cristianismo falsificado e incoerente.
Um evangelho vendido à custa de isenção, que não se importa em encobrir o desfavor de quem desumaniza e afronta a vida cotidianamente. O evangelho de ruas de ouro em meio a desempregados famintos, uma crença que não tem nada a ver com a dignidade e a lógica evangélica. Essas pessoas abandonaram o Cristo, preferiram as trinta moedas de prata, disseram “sim” para o que teria de ser “não”, passaram a defender o indefensável, saíram do púlpito para se colocar atrás de banquinhas de comércio, ignorando o Mestre que ainda hoje empunha o azorrague e lhes diz: Parem de fazer da minha casa, de suas vidas e da sua vocação um verdadeiro mercado! (João 2:16).
Rev. Nilson da Silva Júnior Professor e Pastor.