Doutora em Teoria Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), bibliófila irrecuperável, coordenadora do Curso de Letras-português da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), a professora Josiane Maria de Souza morou em Portugal e é seguramente uma das principais estudiosas brasileiras da obra do poeta português Fernando Pessoa. Ao Diário do Engenho, Josiane falou sobre livros, editoras, obras raras e – como não poderia deixar de ser – sobre educação no Brasil.
Confira!
1- [D.E]: Jô. Enquanto profunda conhecedora e amante dos livros, como você vê a difusão do livro no Brasil de hoje? As pessoas têm mais acesso aos livros do que tinham antigamente?
[Josiane]: Sem dúvida, hoje há mais livros disponíveis.O mercado editorial brasileiro cresceu muito nos últimos 15 anos, basta ver a quantia de livros (e de editoras) disponíveis nas livrarias. Mas isso não quer dizer que o número de leitores cresceu na mesma proporção.
2 – [D.E]: Você acha que o livro no Brasil ainda é caro demais para o bolso da população ou o brasileiro – salvo pequenos grupos de exceção – não tem mesmo o costume de comprar livros?
[Josiane]: O livro continua caro, mas também já aumentou o número de edições de bolso, mais baratas e acessíveis. O livro ainda não é um objeto de desejo da maioria dos brasileiros. Não vejo estantes na maioria das casas , aliás, não há estantes disponíveis à venda nas lojas de móveis.
3 – [D.E]: E as obras veiculadas via web? Como você vê o surgimento dos ebooks e a influência da rede mundial de computadores junto aos leitores brasileiros – em especial?
[Josiane]: Os livros digitais não representam grande fatia no mercado brasileiro e a sua venda é recente. Eles também são caros. As pessoas compram os tablets mais para ter acesso às redes sociais do que, propriamente, aos livros digitais. Será que alguém consegue ler “Guerra e Paz” – que tem mil e tantas páginas – no suporte digital?
4 – [D.E]: O livro é um fetiche? De onde viria essa atração?
Josiane]: O livro tem cheiro, textura, é palpável, e creio que é um belo fetiche. Ele guarda memórias pessoais, fica presente na estante. Como posso dar de presente um livro digital? Onde ponho a dedicatória? Como ele será reconhecido pela pessoa que o ganhou? Adianta ter mil livros dentro de um ipad? Não há o que possa substituir o manuseio de um livro.
5 – [D.E]: Falando um pouco sobre a sua biblioteca, você tem ideia de quantos livros tem? Sabemos que você adquiriu recentemente duas obras interessantíssimas: uma edição clonada de “Mensagem” (Fernando Pessoa) e um Codex totalmente diferente. Comente um pouco sobre esses livros.
[Josiane]: Não sei exatamente quantos livros tenho, deve ser por volta de 10.000. A edição clonada é uma maravilha da tecnologia editorial que reproduz exatamente o volume de um livro com suas dobras do papel e até mesmo manchas. A “Mensagem,” clonada, traz as correções que Fernando Pessoa fez à caneta para o editor. Quanto ao “Codex Seraphinianus,” escrito por Luigi Serafini, trata-se de um livro estranhíssimo que eu ainda estou me apropriando. Ele foi escrito nos anos 1970, e é uma enciclopédia de um mundo imaginário, escrito numa língua inventada, inclusive as letras do alfabeto, pelo autor. Há muito tempo eu andava atrás desse livro e só agora consegui adquiri-lo num sebo, em Roma. Além da língua indecifrável, ele tem gravuras belíssimas.
6 – [D.E]: O fato de as grandes editoras brasileiras ainda pertencerem a grupos familiares fechados prejudica o mercado editorial no país ou você acredita que não exista mais um cartel editorial por aqui?
[Josiane]: As editoras já não pertencem a grupos familiares, elas estão sendo compradas, incorporadas por grandes grupos editoriais de outros países. Por exemplo, esta semana, a Companhia das Letras vendeu 45% de seu capital ao grupo Pinguim. Se antes grupos familiares determinavam o que se publicava, hoje corremos o risco da publicação de textos globalizados, cultura de massa.
7 – [D.E]: Tomando-se por base o que se produz na atual literatura brasileira, como você vê a literatura brasileira hoje?
[Josiane]: A literatura brasileira está com poucos talentos, ou pelo menos os talentosos não estão sendo publicados. Não vejo o aparecimento de grandes novos autores. Os livros são muito fracos. A imprensa faz um estardalhaço, mas os livros são ruins. Um exemplo: “As Esganadas,” de Jô Soares – se ele fosse um autor estreante não teria quem publicasse um livro tão ruim. Se o romance está fraco, a poesia parece que desapareceu.
8 – [D.E]: E a respeito da literatura contemporânea produzida em outros países. Algo lhe chamou a atenção ultimamente?
[Josiane]: Gosto muito do autor espanhol Enrique Vila- Mata , dos portugueses Gonçalo M. Tavares, José Peixoto, Valter Hugo Mae; do angolano José Eduardo Agualusa; do moçambicano Mia Couto. Quando lemos essa nova geração de autores portugueses e africanos parece que eles estão conseguindo fazer com que a língua portuguesa seja melhor explorada , bem como a estrutura do romance moderno é melhor trabalhada do que pelo autores brasileiros da nova geração.
9 – [D.E]: O que você gostaria de ver acontecer em 2012?
[Josiane]: Em 2012, gostaria de ver a profissão de professor ser mais reconhecida, respeitada – e que ela atraísse mais jovens talentos.
10 – [D.E]: Que mensagem ou recado você deixa para os leitores do Diário? O que você gostaria de desejar a eles para o próximo ano?
[Josiane]: Os desejos de final de ano sempre se repetem: saúde, paz… Mas, ao lado desses, gostaria que todas as pessoas pudessem ter acesso a uma educação de qualidade e aos mais diferentes bens culturais. Somente a arte e a educação ainda podem nos dar algum sentido de humanidade.
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(foto: Fábio Mendes)
Josiane, eu concordo contigo. Realmente a poesia “desapareceu”. Eu gosto muito e escrevo poesia e infelizmente reconheço a realidade da literatura no Brasil. Para mim, o melhor livro é o palpável também; dá gosto de ler. Me espantei com a quantidade de livros que tem rsrs…meu sonho é preencher uma enorme prateleira só com livros meus. Gostaria muito que a educação no Brasil fosse melhor e este meu desejo é antigo, viu. Sou amante da leitura e da escrita. O universo literário me encanta demais. Obrigada ao DE que abriu essa oportunidade riquíssima de conhecermos um pouco mais sobre literatura através da Josiane, que carinhosamente cedeu suas poucas e belas palavras. Poucas, pois tenho certeza que Josiane tem muito mais conhecimento a nos oferecer. Grande beijo, Jo. E um abraço a equipe do DE.
Josiane adorei ler as suas respostas, mostra que você além de grande profissional é muito humana. Lembro bem de você quando passeava com seu cachorrinho pela rua e passava em frente da casa de minha sogra Dona Ede lembra? Sempre a gente conversava um pouquinho, já faz algum tempo anos, mas pessoas boas a gente não se esquece… abraços.