Entre 1964 e 2024 – o que aconteceu com a UNIMEP?

Entre 1964 e 2024 – o que aconteceu com a UNIMEP?

No livro “Piracicaba, 1964” explorei a natureza do primeiro núcleo das Faculdades do Instituto Piracicabano, implantadas exatamente em 1964. A ECA (Economia, Contabilidade e Administração), por meio deprofessores de alta qualificação, se opunha ao recém implantado regime militar.

É honesto afirmar ter sido o regime militar resultado de um golpe de estado: a Constituição foi suspensa, os parlamentos legislativos dissolvidos, os direitos civis suspensos, permitindo cassações políticas e prisões sem mandato judicial – sendo o estatuto básico do “habeas corpus” eliminado. Cidadãos foram “desaparecidos” para nunca mais. Um quadro de terror contra o qual se levantaram democratas que não abriram mão de suas práticas democráticas. A completa suspensão de direitos levou as autoridades militares a amordaçarem a imprensa por meio da censura prévia. Sindicatos e universidades passaram a ser vigiados.

A UNIMEP se desenvolveu nesse caldo. As perseguições, concentradas nas capitais, pareciam ter menos peso nas cidades do interior. Mestres prestigiados cientificamente enxergavam a UNIMEP como uma oportunidade. Tratava-se de um projeto específico de universidade confessional, próxima às PUCs, que já tinham acumulado respeito nacional. Uma Universidade democrática tem de acolher interesses explícitos das populações marginalizadas, legítimos cidadãos e cidadãs deste país. Universidade é sinônimo do espírito crítico de alunos e professores, condição fundamental para a produção da ciência.

Superado o regime militar, o novo congresso elabora a Constituição Cidadã, aprovada em 1988. Processos democráticos passam a ser legítimos. Com Paulo Freire, que oferece um curso aberto a toda a comunidade unimepiana, a instituição pode corrigir e aprimorar suas políticas e ações. A alfabetização de adultos se intensifica. A educação popular torna o aprendiz em sujeito de seu aprendizado. O racismo cultural é confrontado. A UNIMEP lidera o difícil processo de urbanização das favelas. Os estágios dos alunos dos diferentes cursos são marcados pela construção de parcerias com segmentos sociais, convidados a liderar as ações que os tornassem sujeitos dos processos que os alavancavam.

Por seu turno, a Constituição de 1988 põe fim ao regime militar de exceção. A Carta Magna afirma o novo modelo de sociedade cidadã e institui o papel da universidade brasileira. A Universidade precisa perseguir a “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. A UNIMEP já adotara esses fins antes da promulgação constitucional. Naturalmente, no início, de modo ambíguo. Com os anos de consolidação institucional, a prática da indissociabilidade se tornou o eixo de sua Política Acadêmica, construída em rico processo coletivo. Todos tinham claro estarem edificando um patrimônio que só teria sentido se fosse coletivo, um patrimônio de toda a sociedade.

A resistência à ditadura militar, cujo objetivo era o desmonte das práticas democráticas e da própria democracia, fez surgir uma instituição poderosa, voltada e comprometida com a sociedade. A acolhida da Constituição cidadã de 1988 reforçou esse modelo, que se revela fundamental para construção de uma sociedade saudável, solidária, aberta.

Ocorre que forças conservadoras, atraídas pela longa ditadura militar, ainda se incomodam em relação ao processo democrático. O grande capital que se articula com setores interessados na multiplicação de recursos financeiros acumulados, que necessariamente beneficiam a muito poucos, se opõe frontalmente ao estado democrático que procura atender a toda a nação. São contra um Estado que desenvolve programas populares. Gostariam de viver em um Estado enxuto, que gastasse menos com a educação e a saúde públicas. O movimento de oposição ignora a massa de empobrecidos. Esse processo conservador ganha as igrejas, estimulando práticas de fé individualista. Essa onda conservadora se reflete nos congressos e câmaras legislativas, incensados por uma imprensa e mídia que lhes dá suporte.

O movimento constitucional, caracterizado pelos valores da democracia –quer antes do final do Golpe Militar, quer após a implementação da Constituição de 1988 – sempre foi o chão dessa reconhecida universidade piracicabana. Foi comprometida nessa prática que ela se tornou reconhecida e respeitada na região e no país, formando milhares de estudantes, deixando marcas claras em gerações que hoje se espalham e influenciam Piracicaba e cidades vizinhas em suas competências profissionais específicas.

A crise de gestão que atingiu a Unimep nos últimos anos acarretou enorme prejuízo à sociedade em geral. O fim desse modelo de educação universitária deixa um vazio enorme, não apenas em Piracicaba e região, mas no processo de reconstrução de nosso país. Não é sem razão que a grande ênfase da Unimep tenha sido a oferta decursos nas áreas das ciências humanas, sobretudo a da formação de professores para o sistema básico de ensino. As áreas tecnológicas também tiveram muita qualidade em função desse modelo de formação que produzia novos saberes destinados à totalidade dos brasileiros. Uma enorme razão para se lamentar o fim efetivo da Unimep.

Urge alguma continuidade. A educação pede passagem!

A íntegra do capítulo sobre a UNIMEP, “O golpe militar de 1964: referência na demarcação ideológica da UNIMEP”, publicado no livro “Piracicaba, 1964” a partir da página 200, pode ser lido acessando-se o download gratuito em http://editora.metodista.br/publicacoes/piracicaba-1964


Professor Ely Eser Barreto Cesar é estudioso no campo de Políticas Educacionais. Foi vice-reitor da Unimep para coordenação geral de sua vida acadêmica.

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