E a vida o que é?

E a vida o que é?

A primeira vez que topei com a pergunta não foi com Gonzaguinha, aliás não foi com a pergunta, foi com a resposta do “poetinha” em Samba da Benção: “A vida é a arte do encontro/Embora haja tanto desencontro pela vida”. Eram idos de 1968, que emudeceu de vez o encontro, que deveria ser a arte da vida.

Reencontrei-a no “O que é vida? O Aspecto Físico da Célula Viva”,  de E. Schrodinger , e no livro que o retoma: “”O que é vida?” 50 anos depois”, de M. P. Murphy e L. A.J. O’Neill (organizadores), ambos da Editora Unesp/Cambridge University Press. É desse o capítulo que interessa: “Ordem a partir da desordem: a termodinâmica da complexidade biológica”, de E. D. Schneider e J. J. Kay.

Concluídas as citações, a pergunta “o que é vida?” e a resposta (aqui bastante resumida): “um mecanismo de degradação da energia proveniente do Sol”. A degradação da energia solar explicaria, por exemplo, a biodiversidade da floresta amazônica, quando comparada a florestas de regiões mais afastadas do equador terrestre, nesta, a incidência de energia é maior– quanto mais espécies, mais caminhos para a degradação da energia.

E a que vem isso agora? Vem das preocupações com o que estamos fazendo conosco –não nos separo da natureza, somos um, somos a parte humana dessa natureza, nos destruindo. Rio Grande do Sul teve enchentes em setembro de 2023, janeiro de 2024 e esperamos o próximo verão? Não (rima triste). “Só” para ficar na tristeza do momento. Muitos culparão exclusivamente o “El niño”, ignorando o aumento da frequência e intensidade dos eventos, negando nossa participação. Aí a pergunta inevitável: e se você estiver errado?

E se você estiver destruindo os mecanismos adequados de degradação da energia que vem do Sol? E se você estiver transformando praças arborizadas em estacionamento, asfalto? Quanto tempo podemos ficar à sombra de uma árvore? E no asfalto do estacionamento? À luz da nossa termodinâmica dizemos que uma árvore emite muito menos radiação infravermelha, “calor”, que o asfalto. À luz do absurdo dizemos sinto muito Antônio de Pádua Dutra, não dá para ficar aqui. Esse um exemplo recente, que só não piorou por conta da atuação de vereadoras e do “Movimento Salve a Boyes”, que com a força, coragem e criatividade de seus membros, encampou também a luta pela proteção das árvores próximas ao Parque da Rua do Porto, o campo de futebol do União Porto, antes que tudo virasse um grande estacionamento.

O Rio Grande do Sul é a vítima imediata, a ajuda é urgente. Mas em breve teremos eleições no município e é questão de qualidade de vida ou morte nos informarmos sobre a atuação na área ambiental dos que pretendem a reeleição. Entre a área verde e a especulação imobiliária, quais foram suas opções? Quem se satisfez com clichês de “progresso, modernidade, mais empregos”, ignorando o custo social, a qualidade de vida para todos? O mesmo vale para os novos pretendentes, claro – ir além do bairrismo e cobrar também compromisso na área ambiental – afinal: “a pergunta roda / E a cabeça agita… E a vida/ Ela é maravilha ou é sofrimento? / Ela é alegria ou lamento? / O que é? O que é, meu irmão?”

Temos que escolher.


 

Sergio Oliveira Moraes é físico e professor aposentado ESALQ/USP

 

(Foto de capa: SECOM) 

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