A semana termina com um fato que, em meio a este festival de horrores que se espalha pelo Brasil, a meu ver, foi muito pouco analisado: o encaminhamento oficial, de um deputado carioca, de requerimento para extinção de uma universidade pública no Rio de Janeiro.
O fato, por si só digno de espanto – para depois vir a indignação – parece se constituir no reflexo e na demonstração palpável do ponto a que o país chegou: perdeu-se a mínima definição do lógico, do razoável, para não se falar de ética ou do compromisso legal de políticos com sua função. Quem poderia supor, até mesmo nos tristes tempos da ditadura militar, que um parlamentar – por mais de direita e alinhado ao governo que fosse – pudesse sequer sonhar em encaminhar um requerimento para extinção de uma universidade pública? Por mais que o ensino público tenha sido cerceado, perseguido, seus professores tivessem se exilado por conta das perseguições e seus alunos tenham sido presos – sem falar nos desaparecidos -, mesmo naqueles anos de ditadura, não se viu algo semelhante.
Mas o deputado carioca, naturalmente alinhado a Bolsonaro, apenas refletiu o que vem tentando fazer os aliados do presidente – e que, certamente, acreditam ser possível: agir ao arrepio das leis e, se possível, alterá-las por meios lícitos ou ilícitos. Agir contra todas as garantias do país tornou-se via de regra de um grupo que, nos seus delírios de um mundo paralelo, agressivo, desrespeitoso e tosco, parece ser possível, real e muito próximo de ser conquistado. A mentira é dita e disseminada ao vivo, na tevê, nas redes sociais e utilizada como instrumento de manipulação que nem sempre tem sido possível refutar, mesmo com críticas sólidas e dados concretos. Como ninguém é punido, as falas dúbias e manipuladoras vêm num crescendo.
O pedido de extinção da UERJ, no entanto, vai para além das “fake news”, das manipulações midiáticas, e por isso merece tanta atenção. Ele se consubstanciou em um requerimento formal processado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, instrumento legal e legítimo dos parlamentares que a compõem. Foi além das falas, das bravatas, das mentiras virtuais. Tornou-se oficial, documentado, acentuando a própria loucura de um país em que um parlamentar justifica extinguir uma instituição pública de ensino superior porque ali existiria “nítido aparelhamento ideológico de viés socialista” e as aulas teriam “uma clara censura ao pensamento acadêmico de outras linhas de visão de mundo”, fazendo com que aqueles que “pensam de forma contrária” sofram “agressão física e verbal”.
Não se trata aqui sequer de alguém suspirar aliviado já que o presidente da Assembleia garantiu que enquanto ele estiver no cargo, o requerimento sequer será colocado em discussão. Trata-se de constatar o quando a direita se sente fortalecida, protegida, apoiada, neste governo Bolsonaro. E o quanto seus representantes se tornam cada vez mais audaciosos, sentindo-se blindados mesmo nas mais loucas provocações em seus atos e declarações. É assim que as mudanças vão, aos poucos se consolidando. E que a democracia vai sendo desmontada. Queiramos ou não.
Em tempo: a UERJ, instituição que o deputado pede que seja extinta, foi criada em 1950. Para além de seu reconhecimento acadêmico e de pesquisa – comprovado em vários rankings especializados – vale registrar que ela conta hoje com 16 campi e unidades externas, 43 mil alunos, 2800 professores, 5600 técnicos, 90 cursos de graduação, 63 mestrados, 46 doutorados e dois hospitais. Simples assim – ou insanidade completa – querer extinguir uma instituição como essa com uma canetada…
Beatriz Vicentini é jornalista.
(Foto de capa: Tânia Rêgo/Agência Brasil).