A Dialética da Democracia – por Adelino de Oliveira

A Dialética da Democracia – por Adelino de Oliveira

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Há, às vezes, diferença entre a vontade de todos e a vontade geral:esta só atende ao interesse comum, enquanto a outra olha o interesse privado, e não é senão uma soma das vontades particulares.Porém, tirando estas mesmas vontades, que se destroem entre si, resta como soma dessas diferenças a vontade geral.

Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social.

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A democracia configura-se como um sistema de governo realmente imprevisível, abrindo para múltiplas possibilidades na esfera do poder. No movimento democrático coexistem visões e perspectivas divergentes, todas desfrutando do mesmo espaço de legitimidade. Esse caráter inusitado, dinâmico da democracia não deixa de se compor também como sua força e beleza.

No contexto da antiga Grécia, no berço da democracia ocidental, alguns renomados pensadores posicionavam-se contra tal sistema político justamente por entenderem essa dimensão inusitada do princípio democrático. Para o filósofo Platão, por exemplo, o grande limite é que o método democrático poderia elevar ao poder alguém que não estivesse devidamente preparado para legislar. Em uma visão aristocrática, o povo não estaria apto para escolher o melhor, o mais preparado para conduzir a sociedade ao bem coletivo.

A noção de democracia pressupõe justamente o encontro entre o diverso, o múltiplo, o diferente, o paradoxal. No cerne de toda democracia situa-se a dimensão do autêntico e verdadeiro diálogo, do debate franco e contundente. A democracia emerge e se fortalece no ambiente de aberto conflito de posições e ideias. Afeita a todas as vertentes, a democracia deve se fechar apenas a posicionamentos intolerantes, pautados em horizontes carregados de preconceitos. A intolerância configura-se como a cizânia que pode destruir a própria democracia.

O debate democrático deve ser marcado pela transparência, clareza de propostas, coerência ética e comprometimento social. Retóricas bem articuladas, mas vazias de conteúdos não passam de demagogias. Definitivamente não bastam oratórias envolventes, empolgantes se por trás delas não despontar um contundente compromisso com a construção de uma sociedade para todos. Os discursos devem estar alinhados a uma história de atuação e prática.

voto1O pilar da democracia repousa precisamente na compreensão de que todos são iguais, tendo os mesmos direitos de participação política. O ideal de um homem, um voto, procura suplantar diferenças sociais, étnicas, religiosas etc. No que tangencia a escolha eleitoral, nenhum voto deve valer mais do que o outro. Diante da urna eleitoral, todas são cidadãos e a decisão da maioria deve ser assumida pela vontade coletiva.

O aprimoramento da democracia acontece na medida em que as escolhas individuais passam a ser realizadas a partir de uma compreensão do bem comum. Entra aqui o mecanismo designado por Jean-Jacques Rousseau como vontade geral. Diferente da mera vontade da maioria – a somatória de interesses individuais –, a vontade geral seria alcançada quando o indivíduo, agora como cidadão, pauta suas escolhas e decisões no critério do interesse coletivo, do bem comum. Mas a democracia de fato se situa muito além da mera escolha eleitoral. Democracia pressupõe, sobretudo, igualdade de oportunidades e justiça social. Em uma sociedade marcada por uma profunda cisão social não há como se falar em democracia plena.

Pelo princípio da dialética, a sociedade em seu conjunto é constituída pela coexistência de múltiplas forças, com interesses divergentes e até contrários. Os diversos projetos de sociedade devem ganhar evidencia no processo de debate democrático. O grande desafio democrático consiste em contemplar a síntese, alcançando um eixo comum, que seja capaz de aglutinar os vários segmentos sociais em torno de um projeto de sociedade que potencialize o bem comum. Intolerâncias, oposições vazias, comportamentos jocosos no contexto da polarização e das disputas políticas não postulam qualquer liberdade democrática.

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Adelino Francisco de Oliveira é doutor em filosofia pela Universidade de Braga – Portugal.

One thought on “A Dialética da Democracia – por Adelino de Oliveira

  1. Caro Prof. Adelino.
    Texto muito oportuno nessa ressaca pós-eleitoral. Ele consegue descrever o que acredito e o que abomino – a intolerância, por exemplo, de maneira filosófica com argumentação elegante e acessível para leigos como eu.
    “Nenhum voto deve valer mais do que o outro”. “Democracia pressupõe, sobretudo, igualdade de oportunidades e justiça social”. Que bom ler isso.
    Sempre aprendo. Estava atenta esperando uma manifestação sua.
    Parabéns, Professor.
    Abraço.

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