Mapa para releitura de um velho clássico da MPB.
(Introdução – somente acordes marcados ao violão. Quatro compassos. Entra a voz em seguida).
Teclou daquela vez como se fosse a última.
Escreveu a um procurador como se fosse o único.
Leu cada texto dele como se fosse o próprio.
E atravessou a linha da moral jurídica.
Rasgou a Constituição como se fosse máquina.
Passou por celular regras do próprio código.
Mensagem por mensagem num intuito lógico.
Seus dedos melecados em conduta ilícita.
(Seguem voz e violão. Junto, ouve-se agora um agogô marcando passos como um relógio.)
Sentou pra descansar bem se sentindo o máximo.
Bebeu Moet Chandon comemorando cínico.
Dançou e gargalhou imaginando o imbróglio.
Teclou e reteclou contribuindo ao máximo.
E tropeçou na língua com seu português ridículo. (Entram as cordas numa escala descendente).
E machucou os olhos de todo gramático. (Entram os sopros ainda em piano, distantes).
E fez de um julgamento um evento político.
E achou que lucraria com um cargo fantástico. (Completa-se a orquestra num sequência de intervalos ascendentes e em crescendo. Breque total!).
Morreu num vazamento impactando o público.
(Trombones e trompetes em fortíssimo, imitando buzinas. Bumbo e percussão sinfônica somam-se ao arranjo impactante!).
Teclou daquela vez um conteúdo impróprio. (Metais respondem aos versos sempre em fortíssimo).
Amou suas mensagens ao Ministério Público. (Um oboé imita ao fundo uma melodia árabe, dessas de filmes antigos sobre a vida dos príncipes do oriente).
E cada áudio seu com sua voz de pássaro.
E cada empenho seu como se fosse lógico.
Mexeu na eleição como se fosse um príncipe. (Flautins tocam novamente melodias faraônicas).
Fez dela arroz-feijão como se fosse sábado. (Ainda a melodia faraônica).
Acordo com acordo fora do jurídico.
Seu ego excitado a um estado clássico. (Sobreposição do trombone, forte, anunciando sonoramente o desastre próximo).
E se perdeu na vida com seu ato cínico.
E se queimou na História com erros fantásticos.
E se afundou na lama num jeito pernóstico.
E se mostrou velhaco como qualquer político.
(Novamente, trombones e trompetes em fortíssimo, imitando buzinas. Bumbo e percussão sinfônica somam-se ao mapa sonoro impactante. Depois, outro breque!)
Morreu na contramão ludibriando o público.
(O andamento se acelera. Entra um coral respondendo verso a verso como se fosse o público).
Amou daquela vez num vazamento clássico.
Beijou sua própria mão ao digitar ilícitos.
E cada protegido seu como se fosse o pródigo.
Sentou pra descansar ludibriando ao máximo.
Jogou dentro do lixo seu futuro clássico.
E acabou vazado num site fantástico.
(Ápice da orquestra. Pancada do bumbo sinfônico e dos pratos. Novo breque. Depois, voz solitária fechando a canção).
Morreu dando sua mão ao ministério público.
(Novo ritmo acelerado. Coda desesperada para um final dramático. Vozes em coral).
Por esse amor ao poder, por esse amor por mentir. A concessão pra fazer o que quiser por aqui. Por mandar e desmandar se não há mais lei a seguir. Deuuuussss, nos salveeeee!
(Se finda a canção. E que Deus nos salve).
(publicado também em A Tribuna Piracicabana de 23 de julho de 2019).
Alexandre Bragion é um dos editores do Diário do Engenho.