Deito no papel as nebulosas do mistério – palavras novas – sobre sentimentos velhos. Brilham elas nos meus espaços como astros, mas não são nada mais do que rastros de um estelar cemitério. Noturno em primeira pessoa – feito verbo: eu noturno. Como se noturnar fosse ação mais vocabular e menos coração. Depois, constelo. Disponho sonhos em frases na construção do que mais quero.
Queria a noite como aprendi nos livros de poesia. Queria os sentimentos – subjetivos– tão menos vivos. Mais fáceis. Mais ágeis. Velozes. Lembro-me de um verso lindo como eu queria a vida: “vozes veladas, veludosas vozes”. Ai, Alphonsus de Guimarães cheio do espanto que tanto li – e que não deveria ter lido tanto. A catedral ebúrnea dos seus responsos também dobra os sinos em mim – pobre Alphonsus, pobre Alê, pobre Alphonsus.
Quero a lua no céu como a Ismália porque erro a terra – que também me erra. E como a Ismália que enloqueceu, ponho-me na torre a sonhar. Mas não me atiro. Ainda. Adio. A Deus. Ou me atiro sem saber, a cada dia, em cada linha que crio, em cada som – assovio – que imagino alucinado ser o vento poético a me trazer em letra de canção um amor de material agora não sintético. Desvario. Sofreguidão. Escrever é ser da dor constelação.
Vago – então – assim sempre tão vago. Cometa. Cometo a ilusão. Magnólias de sentidos ressentidos. Estelar metáfora em que escondo pesos anos-luz tão escondidos. Quem me entende? Simbolizo. Falso. Simbolista. Essência de baudelairianas correspondências. Porque o que quero é a palavra-espátula que bate a tinta sobre a tela feito um pincel que põe no mundo imagens poéticas. “L’invitationauVoyage”. Borrões. Manchas. Impressões. Pictórica música. Em português: viagem.
Clair de Lune. Debussy. A delicadeza de cada nota, de cada letra – alteza das palavras – sobre a pauta, sobre a mesa. Melhor dizer do existir assim, em esfumato. Que o real corrói. Que ser o que se é o que dói – de forma tão crua, tão seca, tão nua. Clarão da lua. Ai, catedral ebúrnea dos meus sonhos e dos de Guimarães, Alphonsus. Escrevo. Misturo as cores, as linguagens, as imagens, as tristezas. Prefiro sempre o traço sobrevivente da incerteza.
Então, estico a corda e puxo no texto – como um sacristão – o som do dobre espectral do sineiro: pobre Alphonsus, pobre Alê, pobre Alphonsus. Ai, nebulosos mistérios da mais banal imensidão cotidiana. Ai, celestiais encarnações diárias. Puxo o sino que dobra e vai e vem e vem e vai. Me puxo. Viver é fluxo.
Alexandre Bragion é editor do Diário do Engenho.