Convite à Filosofia

Convite à Filosofia

 

O ataque à filosofia não é algo novo ou prerrogativa exclusiva do grupo político, hoje, alocado nas instâncias de poder. Ao logo da história se tornou comum encontrarmos períodos nos quais o pensamento livre, crítico e problematizador foi identificado como o inimigo, que deveria ser combatido e aniquilado. Talvez o que cause espanto é tal ataque ser desferido abertamente, às claras, sem meias palavras, justamente por quem teria por dever de ofício zelar e promover a democratização do acesso à cultura.

É interessante também perceber que, em todos os períodos em que houve obscuro propósito de se interditar o livre pensar, o que se colocava em movimento eram projetos totalitários, pautados em representações fundamentalistas. Esse ponto é bem importante e elucidativo, não há registro na história de que sociedades democráticas tenham se pronunciado contra a filosofia, a sociologia, as ciências e as artes. Longe disso, o projeto democrático encontra na área de humanas suas bases, seus fundamentos.

É relativamente simples e até fácil escolher um caminho argumentativo para se defender o lugar da filosofia, pois sua relevância parece ser bem óbvia. Talvez o complicado mesmo seja conseguir convencer toda uma sociedade sobre a irrelevância de se nutrir amizade pela sabedoria. Pois a filosofia consiste, justamente, em ter apreço, amor pelo conhecimento. Assim, dizer que a filosofia não traz nada para a sociedade seria o mesmo que afirmar que a sabedoria é desnecessária e não deve ser cultivada.

O fato é que a filosofia não consiste em um saber prático, a serviço de demandas utilitaristas. No horizonte da atividade filosófica encontra-se a competência da contemplação, que possibilita alcançar uma compreensão ampla, profunda e crítica sobre a própria existência e as relações que a permeiam. Na linguagem mais comum, é frequente dizer que a filosofia é um instrumento para se enxergar o mundo para além das efêmeras aparências, desvelando o sentido dos discursos ideológicos, pautados em concepções alienantes do humano, comprometidas com projetos que visam perpetuar uma lógica de exploração e opressão.

A investigação filosófica assume como tarefa e compromisso fundamental a busca pela verdade. É quase incompreensível que alguém tenha a insensatez de advogar que tal horizonte seja algo desprezível e sem importância para a sociedade. Ao longo da história, nas mais diversas culturas, a humanidade foi capaz de produzir muito conhecimento. A filosofia talvez seja a expressão mais sutil e elaborada de tudo que a humanidade pode representar. Mas sempre foi um saber restrito a um pequeno e seleto grupo. É preciso agora que o imprescindível legado da filosofia – e todas as formas de arte e pensamento – seja colocado ao alcance de todos, em um libertador movimento de democratização cultural.

Diante de tais ponderações, os profetas do pragmatismo e do utilitarismo, portadores de uma racionalidade instrumental e adeptos a um míope fundamentalismo, não se sentirão, de forma alguma, confortáveis e convencidos. O caminho da filosofia passa por um amor verdadeiro e desinteressado pelo conhecimento. Um conhecimento que se desvela em genuína sabedoria, na medida em que conduz a complexas concepções sobre as possibilidades da existência e sobre as formas mais éticas e justas de organização político-social. Enquanto ainda formos tocados pela sensibilidade e manifestarmos espanto e encantamento diante do mundo, é sinal que trazemos o sêmen que gera a atitude filosófica. A filosofia é um bem em si, sendo expressão do que somos e também de tudo que podemos ser neste longo e apaixonante processo de humanização. Investir na filosofia é pensar o humano, para além de um utilitarismo reducionista.

 


 

 

Adelino Francisco de Oliveira é doutor em filosofia pela Universidade de Braga – Portugal – e professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.

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