Já vai longe o tempo dos bondes puxados por burros. A energia elétrica alforriou os pobres animais e, hoje em dia, os próprios bondes elétricos quase desapareceram. Nos grandes centros urbanos, raramente se veem carroças ou outros cavalos que não os da polícia. No Nordeste, os jegues estão sendo substituídos por motos.
E pra onde vai todo o carinho que os bons proprietários sentiam pelos quadrúpedes que lhes facilitavam a locomoção? E a estima, o respeito e a admiração dedicados a esses animais foram pra onde? Foram pra tração 4×4 das caminhonetes, pras sei lá quantas cilindradas das motos, pras incontáveis qualidades dos melhores ou dos mais pangarés dos carros.
Amamos nossos carros porque eles nos livram do torturante transporte coletivo brasileiro. Dentro deles, somos menos gado, quase gente, porque desperdiçamos a vida em engarrafamentos, com mais conforto do que o rebanho que vai de ônibus. Carros são casulos e armaduras, proteção e extensão de nossos corpos. Estamos virando caracóis biônicos lesmaticamente indo no ritmo dos congestionamentos.
Enquanto ônibus decentes não chegam, a paixão pelos carros ultrapassa o bom senso. Brigamos no trânsito e defendemos a honra de nossos veículos de todas as formas possíveis. Outro dia, por exemplo, meu colega Adham – um tradutor egípcio pouco acostumado com nossas maluquices de trânsito – emprestou seu carro a uma amiga que voltou com a seguinte novidade: “Adham, cuspiram no carro”. Ele demorou para entender e acreditar. Mas o que aconteceu mesmo? A história é simples: a moça estacionou e foi fazer compras. O sujeito do carro ao lado teve dificuldade para sair, por causa do jeito como a garota parou. Quando finalmente conseguiu, resolveu se vingar cuspindo no Habibi Móvel (esse é o nome do carro do Adham).
Provavelmente, o sujeito era um maluco com gripe e a cusparada foi uma tentativa de assassinar o automóvel, contaminando-o com o vírus H1N1. Por sorte, o Adham manteve o Habibi Móvel em observação e ligou os fatos quando o carro começou a morrer e engripar. Sorte maior ainda foi que a Patty, esposa do Adham, sabe tudo sobre medicina automobilística e ministrou uma dose salvadora de Tamiflu direto no tanque do carrinho.
Muitos carros brasileiros têm nome e histórias curiosas pra contar. O nosso (meu e do meu marido), por exemplo, se chama “Cajuzinho” e já foi vítima de bons tratos equivocados. Acontece que o Cajuzinho é muito comum. Um dia, meu marido saiu com ele e estacionou bem na frente de um outro carro igual. Até aí, não teria problema se o dono do sósia não tivesse umas ideias estranhas sobre limpeza de automóveis. Enquanto meu marido estava numa papelaria, o outro motorista entrou num bar, comprou duas garrafas de Coca-Cola e despejou-as no para-brisa do nosso carro, pensando que era o dele. Quando percebeu o engano, fugiu e incumbiu um amigo de explicar suas boas intenções.
Então vocês já sabem: Coca-Cola e Tamiflu são ótimos para limpeza de para-brisa e engripamento veicular H1N1. A persistirem os sintomas, um lava-rápido e uma oficina mecânica devem ser consultados.
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Carla Ceres é escritora
Valeu, Alê! A ilustração ficou 10. 🙂 Beijos!
Acredito que aqui em minha região… tentariam limpar com chope… “Se beber não dirija, mas seu guarda… é só para limpar a caranga…
Bjks, Célia.
Célia, que ótima ideia! Se algum leitor testar, por favor, escreva contando o resultado. 🙂 Beijos!
Olá Carla, e que tudo esteja bem!
Perfeita como sempre prezada Carla!
Um escrito deveras atual, de seriedade, porém ao seu estilo. Com uma intensa dose de muito bom humor, parabéns novamente!
Gostei demais dos “biônicos lesmaticamente indo no ritmo dos congestionamentos”.
Obrigado por compartilhar, e que seja sempre deveras intenso e feliz o teu viver, abraços e até mais!
Muito obrigada, Sotnas! Vida longa e próspera pra você! Abraço!
Carla! Me explique pra que o caboclo joga coca no carro! Kkkkkkkk
Tô rolando de rir aqui! Por. São adoro ler teus textos!
Grande beijo!
Por incrível que pareça, Camila, a intenção era desengordurar o vidro. Pobre Cajuzinho! 🙂 Beijos!
parabéns pelo humor, já estou pensando em por nome no meu carro…rsss,
em Cairo no Egito o transito é cômico, não tem como descrever, só vendo mesmo, quem já andou por lá vai achar que o transito do Brasil é de primeiro mundo, mas a grande diferença entre nosso transito e o de lá são as pessoas e sua educação com o trato ao próximo, só vi uma discussão no transito e os motoristas desceram do veiculo para discutir e em determinado momento o motorista mais velho, um senhor que aparentava seus 70 anos tirou a cinta e deu boas cintadas no motorista mais jovem que deveria ter próximo dos quarenta anos e que não reagiu fisicamente, mas gritava muito, populares separaram os brigões e independente de quem estava certo ou errado o senhor mais idoso foi respeitado fisicamente por todo embate, eu achei cômico toda a cena mas fiquei impressionado com o nível de respeito que existe até para brigar, a menos de um mês vi uma cena muito parecida em frente minha residencia, onde duas pessoas com idades próximas destes brigões Egípcios se desentenderam por motivos fúteis de transito, e se não houvesse a intervenção de populares o senhor idoso teria sido muito agredido, eu vejo isso como valores diferentes onde uma cultura valoriza o veiculo como meio de transporte e outro como bem material, adivinha qual é o do Brasileiro?!
Idinaldo, seu comentário é interessantíssimo. Muito obrigada mesmo! Abraço!
Cômico foi uma palavra super educada para descrever o transito no Egito, Cairo em especifico, porque a palavra certa seria horrível, caótico e por ai vai. Em relação ao respeito do senhor de 70 anos, isso se deve a religião que deixa muito claro a importância e o respeito para os idosos, mulheres e crianças. Aqui no Brasil a coisa é diferente, eu mesmo andando nas ruas de Rio Claro, vi um rapaz de máximo 19 anos bater num idoso simplesmente porque o senhor atrapalhou a passagem do moço de bicicleta, desci do carro e agredi o moço do mesmo jeito que ele agrediu o senhor, no Egito esse rapaz teria apanhado de pelo menos a metade da população que passava na rua.
Mais uma ótima crônica, Carla!
Tanta coisa passou pela minha cabeça com essa leitura…
Uma vez, uma amiga sueca, que tinha acabado de chegar a Goiânia (isso foi há mais de 20 anos), ficou rindo ao ver pessoas em carroças nas ruas com os carros.
Eu nunca dei nome aos meus carros. Mas quando comecei a namorar com meu marido, o fusca dele tinha um nome, nada original, mas tinha: Herbie.
Abraços!!!
Valeu, Regina! Herbie pode não ser original, mas é carinhoso. Um tio meu teve um fuscão cor de abacate, que os vizinhos apelidaram de Lesma Verde. Bem pior, né? 🙂 Beijos!
Carla, o nosso carro aqui se chama Delicinha, de tão gostoso que ele é de dirigir. E já é um senhorzinho, de 8 anos (na contagem de idade dos carros, isso já seriam 80), mas continua se comportando muito bem.
E eu só não confundo porque de longe já aperto o alarme, pra me dizer QUAL é ele e ONDE está. (Adivinha se eu não já o perdi pelos estacionamentos da vida?)
Beijooo
kkkkkkkkkkkk Adorei essa contagem de idade dos carros, Bel. Beijos!
Nunca batizei meus carros, talvez por que nunca os dirigi…não os sentia muito meus. Sempre tive o marido como motorista. Mas conheço muita gente que dá apelidos deliciosos. Gostei, do Cajuzinho! E carro, é como gente, tem que cuidar com carinho e usar tudo de humano neles. Tenho saudades, de todos que passaram por minha vida. Já sabia, da função da coca-cola, é bom saber dos efeitos do Tamiflu!
ADOREI, pra variar!
Beijossss
Sério, Lúcia? Pensei que essa história da Coca-Cola era coisa do povo daqui. 🙂 Beijos!
Já tive uma moto com nome Juliana, mas essa da Coca-Cola no pára-brisa pra mim é novíssima.
Cadinho RoCo
E nós tivemos uma chamada Ovo Frito. Era branca, com banco amarelo. 🙂 Abraço!
Muito legal e curioso, Carla
um abraço!
Obrigada, Andrea! Beijos!