Classe média x Classe média – por Sílvia Bujokas.

Classe média x Classe média – por Sílvia Bujokas.

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Em 2000, Maria não era classe média. Vivia na periferia, madrugava para tomar a condução rumo ao trabalho. Maria nunca teve uma festa de aniversário com brigadeiro e cachorro-quente. No máximo, chamava alguns amigos da rua para comer um pedaço de bolo que Dona Custódia, mãe de Maria, tinha feito. Bolo simples, sem recheio e um copo mais pra vazio do que cheio de tubaína para acompanhar.

Em 2000, Joana era classe média. Não tinha carro próprio, mas ia de carona ao trabalho. No fim de semana, emprestava o carro de Joacir – seu pai – para sair com os amigos. Joana teve algumas festas de aniversário quando criança. Coisa simples, feita em casa mesmo: brigadeiro, bolo de chocolate, bala de coco, bexiga pendurada nas paredes da cozinha e os amigos do prédio cantando parabéns.

classemerdiaEm 2013, casada e mãe de um menino chamado Antônio, Maria – agora com 3º grau completo – dirige um carro próprio (financiado, mas dela). Sua rotina inclui levar Rodrigo, seu marido, até o ponto do fretado, deixar Antônio na escola e seguir para o trabalho. A vida da família vai bem: moram num condomínio que tem até piscina e churrasqueira – e chamam os amigos para um pagode no fim de semana. No último aniversário de Antônio teve brigadeiro, beijinho, bolo com sorvete, decoração com tema de super-herói, além de coxinha e cachorro-quente. Rodrigo, surpreendendo os convidados, serviu Bohemia – brindando o filho no momento do parabéns. “Uma ostentação!” – pensou Dona Custódia ao se lembrar da tubaína servida na infância de Maria.

Joana, em 2013, também está casada, é mãe de Clarice, não empresta mais o carro de Joacir e continua sendo classe média. Ela acorda cedo, deixa a filha na escola e vai trabalhar. Joana e Augusto, o marido, tem dois carros (o dele é financiado) e moram num condomínio residencial de casas geminadas. Na varanda há um gracioso espaço gourmet com churrasqueira e balcão com tampo de mármore, além de uma modesta piscina no quintal. No fim de semana, convidam os amigos para assar uma carne, ouvir Sambô e saborear o mais novo hobby de Augusto: cerveja artesanal.Ele não fabrica a bebida, mas fez alguns cursos nos quais aprendeu a harmonizar com diferentes petiscos, clima e ocasião.

Familia feliz1No último aniversário de Clarice, doces tradicionais foram dispensados dando lugar a uma infinidade de brigadeiros gourmets (baunilha, Nutella, Alpino de colher e em potinhos decorados).A mesa destacava um bolo cenográfico pink, com laços e glitter para uma coleção de bonecas esbeltas e loiras devidamente rodeadas por uma legião de cupckes coloridos – além de petit gateau para os adultos. Mini hot-dogs, mini hamburguers, coxinha de galinha caipira com massa de aipim e catupiry fechavam o menu. Augusto, com um colega cervejeiro, até improvisou uma pequena remessa especial intitulada ‘Brilhante!’; com direito a rótulo rosa ton-sur-ton, para homenagear a filha na hora do parabéns. “Uma ostentação!”, pensou Joacir quando o genro o chamou para brindar a neta.

Nas últimas férias, Maria e Joana se esbarraram na fila do check-in no aeroporto. Joana e Augusto aproveitaram os dias de férias para visitar parentes no Sul (coisa rotineira) e de lá seguiram rumo ao litoral. Maria e Rodrigo pela primeira viajaram de avião e ficaram emocionados por viverem junto com Antônio a realização de um sonho de criança. Tão logo chegaram a seus destinos, ambas famílias postaram fotos do passeio em suas redes sociais.

Joana e Maria não sabem, mas se encontrarão novamente no próximo domingo. Dessa vez será na fila da seção eleitoral onde, coincidentemente, votam. Elas escolherão candidatos distintos e terminarão o dia em um churrasco na casa de algum amigo na esperança de uma vida melhor.

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Silvia Bujokas1

 

 

 

 

 

 

Sílvia Bujokas é jornalista.

(O  texto acima foi publicado em  A Tribuna Piracicabana, em 21/10/2014, e gentilmente cedido – pela autora e pela Tribuna – para publicação online em nosso Diário do Engenho).

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