Carpe Diem ou Ora pro nobis

Carpe Diem ou Ora pro nobis

Em artigos anteriores escrevi que a Arte – a Literatura em especial – nos faz viver situações que não são nossas e, a partir delas, refletir sobre nosso mundo. É a magia da arte….

“Sociedade dos Poetas Mortos” foi um filme – cinema é chamado de sétima arte por alguns – de grande sucesso no final da década de 1980 e início da de 1990. Protagonizado por Robin Willians no papel do professor de literatura John Keating, por ele os estudantes são motivados a despertar o pensamento próprio e a viver o dia. Ele também desperta nos alunos “o raciocínio e incentiva o ser humano a viver cada momento como se fosse o último, o famoso carpe diem”. E claro, isso eleva a tensão da narrativa e nos faz pensar na escolha da carreira, na direção que damos às nossas vidas. Ou, às vezes, no que exigimos dos nossos filhos.  Para os mais jovens, fica a dica de, se ainda existir em algum stream (a locadora atual), a possibilidade de assistir a esse filme, que o faça.

Em O encontro marcado, romance de Fernando Sabino, escrito em 1956, a pegada é mais ou menos a mesma, antecedida por algumas décadas. O protagonista, Eduardo, um jovem com inteligência acima da média – desses que não tem dificuldades em nada, que vai bem na escola etc. – tem dificuldades em se realizar na vida. Ele vive de estripulias, se diverte, se casa, consegue um emprego fixo etc. Mas não consegue sua carreira de escritor. Não consegue se moldar na vida. E entra em depressão. “O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove.”  (pg. 44) Marca com dois amigos um encontro num futuro, a 15 anos… e só ele comparece… e o encontro marcado talvez seja com a morte… a nossa única certeza…

E essas duas obras de arte citadas nos fazem um convite à reflexão. No passado, foi entregue às crianças a promessa de que se fossem boazinhas ganhariam o reino dos céus. Caso contrário, iriam para o inferno. Essa crença se diluiu em algum lugar do passado. Ou foi substituída por outra, a de que o trabalho dignifica o homem. Ninguém falou que o trabalho em excesso danifica o homem. Essa reflexão fica para depois… e em paralelo ao alcançar o reino dos céus, se o homem trabalhasse bastante, ele alcançaria a sua aposentadoria e teria alguns anos para viver no paraíso. Em outras palavras: o seu trabalho voltaria para ele e ele poderia viver… regozijar …. E assim ele construiu seus sonhos e trabalharia seus 35 anos, esperando o paraíso. Só que não.  Porque ele percebeu que foi enganado. O fruto do seu trabalho, quando volta, não lhe garante a sua subsistência… e novamente descobriu que paraíso é uma falácia. Mesmo?

Por que, o que oferecer às novas gerações quando não se tem sonhos a oferecer? O que pode ser esperado das novas gerações?

Sabino escreveu seu “Encontro Marcado” num pós-guerra, em um mundo em reconstrução. Sim, havia 10 anos do final da II Grande Guerra e naquela época creia-se que tudo era um pouco mais lento. O homem ainda não tinha ido ao espaço, nem houvera a explosão do rock, guerra do Vietnã, nada… e naquele contexto de mundo em reconstrução, o personagem Eduardo buscava um lugar para si, e não havia. O filme Sociedade dos poetas mortos chegou para nós logo depois da abertura política e nos encheu de sonhos, sonhos que nos trouxeram até este presente, embora para Neil – um dos protagonistas – também não houve um lugar….  Carpe Diem.

Não pretendo neste espaço discutir o “pessimismo” sob nenhuma ótica religiosa ou filosófica. Apenas levantar um ponto de reflexão sobre o que estamos construindo, propondo e oferecendo de concreto aos jovens. Sim. Pois num mundo não só conectado mas onde a realidade real, virtual e metaversa coexistem, o jovem não só está solto como perdido. Assim como Eduardo, de Sabino. Como o Neil.  As religiões – todas? – oferecem um paraíso a ser conquistado só no plano pós morte, mas condenam o suicídio. Surge então uma retórica: o “bom está depois da morte, mas eu não posso me suicidar”. E em paralelo, a vida no plano físico é repleta de desigualdades e dificuldades que inviabilizam o viver. Que paradoxo é este!

Se o jovem percebe como intangível o “paraíso” celestial, é-lhe tirado diariamente a cada reforma trabalhista ou previdenciária partes de seus direitos como construtores de um futuro, construtores de um “lugar ao sol” ainda em vida. Metáforas são criadas para mascarar o subemprego. Entregadores sem nenhum tipo de garantias são confundidos como empreendedores e os jovens têm que escolher “qual produto entregar” e sabemos qual paga mais. E ele é imediatista. E nem sempre ele está errado. Aqui, poderia trazer “A Ira dos Anjos”, de Sidney Sheldon, mas fica para outra crônica. Fica a dica: o que fez a protagonista Jennifer Parker, uma advogada recém-formada que tinha tudo para se tornar uma profissional espetacular, fazer seus sonhos e planos irem por água abaixo em seu primeiro julgamento como assistente do promotor distrital de Nova York, ao cair em uma cilada?

Por fim, não importa a personagem. Não importa a década. Neil, Eduardo, Jennifer… personagens praticamente atemporais, mas que precisam não de uma promessa de um futuro, mas sim de uma certeza de presente. Porque todos eles viveram num presente. Assim como você, eu… mas há limites de ação de um “o que fazer”. E o que os mais jovens estão vendo como possível de ser feito? É confiável? Nem vamos olhar para cima…

 

 

 

 

 

Élder de Santis é professor e mestre em Educação. 

8 thoughts on “Carpe Diem ou Ora pro nobis

  1. Todos nós, jovens ou não, viver o presente sempre o com o objetivo de evoluir espiritualmente e trabalhar forte para o nosso bem estar e de todos o nossos “irmãos “.

  2. Fala Elder! Boa reflexão!
    “Encontro Marcado” foi a primeira obra de literatura (para um público mais amadurecido) que eu li. Acho que tinha uns 16 anos… esse livro me marcou muito… anos depois, em 2015 precisamente, fui conhecer BH. Passei por muitos lugares que ele descreve no livro… o local onde ficava o clube de natação que ele frequentou (afinal como ele diz: é uma autobiografia com pitadas de ficção rs), enfim. Me evocou boas memórias! Um grande abraço!

  3. Elder agradeço muito por mais esse significativa e profunda reflexão. O texto nos leva a retomar nossas crenças e buscas e onde ou em quem coloco a minha esperança. Gratidão!

  4. Muito interessante meu amigo Elder! O filme é marcante mesmo. E mais quantas gerações vão passar por isso? Um grande abraço meu amigo

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