“Nossa, nossa, assim vocês me matam!” eu cantarolava baixinho, revirando a prateleira de xampus no supermercado. Alguém se aproximou, uma família inteira de consumidores tão confusos quanto eu. Suspendi a cantoria audível, mas continuei gorjeando mentalmente: “Ai, se eu te encontro, ai! Ai, se eu te encontro.”
Eu estava com dois problemas bestas e empacados. Primeiro: meu cérebro se deixara invadir por uma composição musical grudentíssima e não conseguia parar de repeti-la. Aconteceu logo que entrei no supermercado. A música saltou do sistema de som ambiente direto pros meus ouvidos e continuou ecoando na minha mente, após terminar no mundo exterior. Tentei cantar outra coisa. Não funcionou. Feliz de quem nunca esteve sob o domínio dessas canções-carrapicho! O máximo que pude fazer foi alterar partes da letra.
O segundo problema era culpa da indústria de higiene, limpeza, beleza e deslumbramento. Meu xampu havia acabado e eu não conseguia encontrar um igual nas prateleiras. Nem eu nem ninguém da tal família que também estava lá, procurando. Todos os xampus da marca estavam com novos nomes e embalagens fashion.
Que droga de mundo sem classe é esse, que toca Michel Teló, mas exige que um xampu barato seja fashion!?
Em tempos menos elegantes, os xampus de marcas populares destinavam-se a cabelos secos, normais, oleosos ou mistos. Sim, havia também os de combate à caspa e pouco mais do que isso. Meia dúzia de tipos de xampu, o bastante para eu me sentir um ser humano complexo, cujas características pessoais o mercado levava em conta.
Agora as embalagens mudam o tempo todo e existem quase vinte tipos de xampus com nomes do tipo: Cachos Quietinhos e Firmes; Liso Macio Total; Liso Ultra Total; Acudam-me, Ceramidas!; Revive e Repõe; Pura Frescura…
É claro que eu alterei levemente os nomes, mas o espírito da coisa é esse. Quer mais opções? Tem sim: Equilíbrio Vital; Pós Química Lisinha; Pra Cor; Resistência Meteorológica; Acuda-me, Forte Queratina!; Preto Brilhoso; Brilho Espelhado; Paraquedas; Socorro, Caspa!…
Chega, né? A família de consumidores, com a qual compartilhei angústias capilares, preferiu comprar oito xampus diferentes para testar em casa. Quanto dinheiro jogado fora! Abandonei a prateleira sem levar nada além daquela musiquinha insistente, que se transformara em “Nossa, nossa, xampu, você me mata”.
A experiência me diz que certas músicas grudam não apenas porque a mídia as repete à exaustão, mas porque possuem repetições internas. O verso “Ai, se eu te pego” repete-se dezesseis vezes na música de Michel Teló. Em menos de três minutos, dezesseis tentáculos procuram agarrar nosso lado obsessivo-compulsivo. Se nos encontram em um momento de ligeira ansiedade, acabam conseguindo seu intento.
Tenho cabelo misto, quase preto, que se arrepia quando chove e se move quando bate o vento. Ou seja, um reles cabelo comum, sem luzes nem luxos. Isso por enquanto, pois, quando lançarem o xampu “SOS – Suaviza Ondas Sonoras”, contra canções-carrapicho, eu compro mesmo.
————————–
Carla Ceres é escritora
***
Que delícia, Carla! É isso mesmo, esses carrapichos são inconvenientes, mas nem sempre conseguimos nos safar deles.
Dei boas risadas.
Um abraço.
Que bom que você gostou, Suzane! Beijos!
Canções grudentas tem seu lado bom. Inspiram crônicas engraçadas, por exemplo… Beijo, Carla, boa semana!
Obrigada, cartunista premiado! Beijos!
Acho uma besteira essa de inventarem milhos de nomes para as coisas e no fim não cumprem nem a metade que prometem!
ps: Onde é mesmo que vendem Resistência Meteorológica? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Não cumprem mesmo, Camila. O “Resistência Meteorológica” mal resiste a um granizo básico. Se, mesmo assim, ainda estiver interessada, encontra-se à venda nas piores lojas do ramo. 🙂 Beijos!
Acredita que eu andava mesmo necessitada de dar umas boas risadas? Pois foi isso mesmo que aconteceu, especialmente na secção dos champôs. Agora já estou mais ou menos habituada (a maior parte das vezes uso champô da cabeleireira), mas quando apareceu toda essa panóplia de efeitos … fiquei tonta sem saber o que fazer. Revirei as prateleiras à procura do champô para cabelos secos – afinal era só isso que eu queria – mas minha busca foi em vão. Acabei por fazer “um dó li tá” e trazer o que calhou… No fundo, no fundo, eles são todos iguais, ou quase… :)))
Outro aspecto interessante é o das músicas que não nos saiem da cabeça…
Menina, às vezes dá uma raiva! Por mais que vc queira mudar de tema.. vem sempre dar ao mesmo. As vezes já acordo com uma melodia ma cabeça, e não há nada que a faça desaparecer… Só uma boa noite de sono 🙂
Gostei muito de sua crónica, minha amiga. Nota 10! (Numa escaL
Também acho que esses xampus são praticamente iguais, Mariazita. Xampu ou champô, só muda o nome. 🙂 Beijos, querida!
É por essas e outras que eu sou sua fã… consegue colocar Michel Teló no seu lugar e ainda fazer uma reclamação de utilidade pública! 😉
Bjooo
Valeu, Bel! 🙂 Beijos!
Oi, Carla querida!
Concordo com a Mariazita de que os xampus são (quase) todos iguais. Eu já fui mais ingênua e ficava procurando o xampu adequado, mas a família foi crescendo e minha cabeça não dava conta de ficar à busca do xampu certo pra cada um… ah, não! Agora todo mundo aqui em casa é obrigado a ter cabelo ‘normal’. Liso, crespo, anelado ou “cabelo de vassoura” (esse é o meu) virou tudo ‘normal’.
Beijo!
kkkkkkk Tá certo, Regina. Afinal não existe nada mais normal do que cada um ter um tipo de cabelo. Se o seu cabelo é diferente, quer dizer que ele é normal. 🙂 Beijos, querida!
Carla, além de todas as especificaçoes por você citadas, dizem que o melhor xampu é o sem sal. Já tentou procurar um? rs. Legal sua crônica, beijos!
Oi, Shirley! Todas as mulheres sabem que o sal promove a retenção de líquido. Então, talvez, os xampus sem sal facilitem a secagem dos cabelos. 😉 Brincadeira 🙂 Beijos!
Essa música é uma verdadeira “lavagem cerebral”, não traz nada de bom. As crianças ficam cantarolando e os pais ainda acham bonito! Pobres crianças…
Parabéns pela crônica criativa e bem humorada.
bjos
Oi, Ivana! Os pais terceirizam a educação dos filhos pra não ter trabalho. Sendo assim, o que vier tá bom. Pobres crianças mesmo. Beijos!
Hahahahahahahahaha sempre nos fazendo rir, né Carlinha? Adorei 🙂
Muito obrigada, Natália! 🙂 Beijos!
Oi, Carla. Parabéns! Gostei muito da crônica. Essa música é pra cansar! Haja folego. Adoro o seu jeito de se expressar! Bjos.
Oi, Cidinha! Que bom que você gostou! Beijos!
Viver segundo os ditames da indústria cosmética está ficando mesmo cada vez mais complicado. Também em outros segmentos, algumas músicas viram naftalina, nos impregnam aonde vamos.
Tão bom ler teus escritos, Carla.
Você me lembrou uma velha estória popular:
Vendedor: Madame, este aspirador de pó vai reduzir seu trabalho à metade.
Cliente: Ótimo! Dê-me dois!
kkkkkkk Gostei da história do aspirador de pó, Will. 😀 Muito boa! Abraço!
Carla, que saudades de ler seus textos! Realmente seria ótimo esse xampu “SOS” ainda mais depois de ouvir a minha avó cantar Michel Teló. Beijos querida ;*
Obrigada pela visita, Maíra! Pois é, menina, nem nossas avós estão a salvo. 🙂 Beijos!
Concluindo, o xampu sem sal limpa os rins dos fios… É isso? hahahahaha. Um beijo!!!
kkkkkkkk Isso mesmo, Shirley. Você sabe tudo de biologia capilar. 😀 Beijos!
Adorei, Carla! Muito bom mesmo!
Obrigada, aniversariante do dia! 🙂 Beijos e renovados parabéns!
E quando encontrar me avise, quero comprar também. Mas a bem da verdade nem preciso: me transporto para muito além das musiquinhas grudentas lendo as crônicas de Carla Ceres.
Muito obrigada, Carla! Beijão