Budismo Estelar

Budismo Estelar

Aprendi sozinho a ver as estrelas. Foram noites e noites de solidão (que as estrelas, entre nuvens de fumaças e cigarros, já me foram matéria de salvação). Mal de poesia é o que sofro – ligue, não. Porque a escrita – paradoxal privilégio – a certos modos de visão é também condenação cuja sentença se cumpre em noturno, sob o céu da imensidão.

Por isso, conheço os astros não pelos nomes, uma vez que um nome – a mim – quase não diz nada. Prefiro chamá-los pelo que são: estrelas, infinito, cósmica criação, olhos divinos da madrugada. Do mais não sei mais nada. Não sei onde ficam, não conheço sua astronômica posição. Não sei o que simbolizam nem o que representam para cada crença, para cada místico, para cada religião. Sei apenas que os vejo, os astros, e olhar às vezes me é tudo – mesmo sabendo que o que vejo é, anos luz distante, ilusão feita de estrelas fingindo que ali estão.

Acho que ando observando demais os astros,  a seco, obcecado. Sei tanto deles que nem mais as janelas abro. Metáfora do meu tempo particular, apago em mim o que em mim seja lastro – porque pensar não deixa rastro, nem o sofrer. E foi assim de tanto os astros ver é que fui me entendendo, no passo deles me vendo e aprendendo que passar é viver – e que nisso não há mal nem ágio, não há dor nem plágio. Porque a verdade do espaço é lição de luxo dada de graça, cada vez mais a me convencer que viver é fluxo e que tudo o que vive – e brilha – passa.

A Via Láctea amorosa resplandecendo desejos, os asteroides de esperança inflamando a atmosfera, a espera, o movimento. Porque “além da Terra, além do Céu” – como escreveu Drummond – no “trampolim do sem-fim das estrelas” só o tempo-constelação permanece o que é: ação, sem cor nem prece. Que contra o tempo nada podemos – nem nada podem até mesmo os astros celestes ante o futuro e o passado –, que viver é condenação que cria e fenece, destrói e cresce.

Aprendi sozinho a ver as estrelas – e agora sei que estar no tempo (presente, dia a dia, cotidianamente) é saber da beleza (ora triste, ora contente) de poder vê-las.


Alexandre Bragion é editor do Diário do Engenho. 

 

 

 

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