Boulos em Piracicaba: “Não temos tempo para ter medo!”

Boulos em Piracicaba: “Não temos tempo para ter medo!”

Evento que recebeu Guilherme Boulos homenageou também, em seu início, a senhora Eliana de Jesus Silva Ribeiro – assassinada a facadas, no último domingo, pelo ex-marido, em Piracicaba.

Filósofo, professor e um dos mais importantes ativistas políticos no campo do pensamento progressista e democrático do país, Guilherme Boulos (PSOL) esteve ontem (21/08) em Piracicaba, participando do colóquio “Educação e Democracia” – promovido pelo curso de pós-graduação em Direitos Humanos do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus Piracicaba. O evento, que aconteceu no anfiteatro da Câmara dos Vereadores da cidade, contou com a presença de professores, alunos e servidores do IFSP e com um imenso público que lotou as dependências do anfiteatro, de sua antessala, escadarias e saguão.

Gentil, educado, cordato – mas sempre muito preciso, contundente e pontual em suas observações e afirmações –, Boulos analisou a atual conjuntura nacional e os desdobramentos tenebrosos que as ações do governo de extrema-direita de Bolsonaro vem promovendo no país.

Inicialmente, parabenizou aos organizadores do colóquio reconhecendo neles a coragem necessária para – “em um cenário de perseguição política contra as escolas” – enfrentar a censura estatal e promover no universo escolar um evento no qual se discute democracia e educação.

Nesse sentido, Boulos lembrou também que arbitrariamente vem sendo censurado e impedido de participar de eventos semelhantes dentro de alguns IFS Brasil afora – fato sobre o qual reagiu: “Ora? Onde vamos debater a nossa política se não for neste espaço? É no quartel? Impedir debate público nas instituições é censura!”

A coordenação e mediação do colóquio foi feita pelo filósofo, professor e um dos editores deste Diário, Adelino Francisco de Oliveira.

Abaixo, um resumo dos principais tópicos da conferência de Guilherme Boulos – e também um pouco sobre como o evento se desenrolou.

Educação em crise

Guilherme Boulos salientou que a educação brasileira e projetos educacionais de sucesso como os Institutos Federais estão em risco sob a atual gestão do ministro da educação. Para Boulos, os cortes de verba na educação brasileira realizados pelo governo são puramente ideológicos.

Segundo Boulos, o governo Bolsonaro escolheu cortar a educação e interromper seu processo nas escolas. Lembrando Darci Ribeiro, Guilherme Boulos ressaltou que “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto político”. E, por isso, “não é à toa que um projeto bem sucedido de educação como a criação dos Institutos Federais incomode tanto ao governo Bolsonaro” e a tanta gente poderosa interessada num processo de destruição nacional.

Corte de verbas

Boulos lembrou que apesar de o governo Bolsonaro dizer que não há dinheiro para a educação, o governo não deixou de gastar 14 bilhões e 8 milhões de Reais em emendas parlamentares para garantir a aprovação da Reforma da Previdência. “Os 300 milhões que o governo cortou da CAPES correspondem ao mesmo valor gasto pelo governo com emendas parlamentares de apenas 8 deputados” – afirmou Guilherme Boulos.

Ele ainda ressaltou que o modelo de educação nacional é o que está em jogo, uma vez que “o que está em disputa é o sentido da educação.”

Nesse sentido, Boulos questionou a todos: “afinal, a educação é apenas para formar uma pecinha a mais para o mercado de trabalho ou é para formar a todos para uma vida crítica, consciente, para serem responsáveis pela sua própria vida?”

Sobre o projeto “Future-se” e o ministro da educação.

“Não tenho memória de um cidadão tão despreparado ocupando a cadeira do MEC”, disse Guilherme Boulos sobre o ministro Weintraub. “O Weintraub é a prova de que não existe doutrinação comunista nas escolas do Brasil, porque se tivesse doutrinação não existiria o Weintraub” – ironizou Boulos.

Sobre o recém-anunciado projeto “Future-se”, apresentado pelo referido ministro, Boulos afirmou se tratar de um escandaloso processo de privatização da educação no Brasil. Criticando a proposta de delegar à iniciativa privada o investimento necessário para manutenção das escolas e universidades federais – proposta essa que é parte do projeto “Future-se” –, Guilherme Boulos afirmou que o modelo não se sustenta, uma vez que a ciência passaria a estar a serviço das empresas e não mais a serviço do país. “Qual a vocação do Brasil enquanto nação? A única forma possível de o Brasil se apresentar soberano diante do mundo é desenvolvendo ciência” – sentenciou Boulos, indicando que a pesquisa e a educação no Brasil não podem servir apenas ao capital privado.

Processo de destruição nacional do governo.

Partindo do campo da educação para as demais áreas do país e do governo, Guilherme Boulos expôs um quadro deprimente de destruição nacional. “Parece até que o governo está em guerra contra o Brasil” – disse Boulos ao apontar os dramas vividos pelo Brasil no atual governo. “Parece que cada um dos ministros foi indicado para destruir a sua área” – sentenciou.  “É a liquidação geral do país. O que está em jogo neste momento é o nosso futuro”.

Meio Ambiente

Sobre o Meio Ambiente e a Amazônia, Boulos disse que “se essa turma ficar 4 anos (no poder) acabou a Amazônia”. Em relação ao ministro do Meio Ambiente, Boulos disse que ele é um “Nero dos tempos modernos”.

Oposição e Resistência.

Boulos não poupou a oposição ao governo em seus comentários. Instando a todos a uma reação em relação aos desmandos da atual política, Boulos conclamou aos partidos de esquerda para partirem para ações mais pontuais e efetivas. “O Brasil precisa de uma oposição que não fique apenas com as hashtags nas redes sociais”.

Ressaltando que é hora de reagir, de resistir e de ir para as ruas sem medo, Guilherme Boulos considerou que “uma parte da sociedade brasileira parece que ainda está em surto. Mas não é a maioria.” Por isso, para Boulos, é urgente resistir e agir. “Eles ainda têm muita força, mas não mais o que tinham há seis meses”.      

Não há tempo para ter medo.

Por fim, Guilherme Boulos cobrou de todos e em especial da esquerda a recuperação dos trabalhos de base. “É preciso ir às ruas. É preciso conhecer os fundões deste país” – disse Boulos.

“O Grito que fica é que nós não temos medo” – disse ele. E, citando Carlos Marighella, concluiu: “Nós não temos tempo para ter medo”.  

Agradecimento.

Alguns alunos, professores e servidores do IF de Piracicaba puderam também, na dinâmica do evento, fazer breves pronunciamentos sobre o Instituto Federal e sobre o que ele representa de positivo na educação brasileira.

Ao final, Boulos recebeu uma lembrança das terras piracicabanas: uma garrafa de cachaça do XV.  


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Matéria: Alexandre Bragion.

Fotos: Wanderley Garcia.

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