Aos 121 anos, OSP se reiventa e espera continuar levando arte para o público

Aos 121 anos, OSP se reiventa e espera continuar levando arte para o público

Os sons dos violinos e dos violoncelos, acostumados a ressoarem nos teatros lotados ou no gramado da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), para um público admirador da OSP (Orquestra Sinfônica de Piracicaba), hoje precisaram se adaptar ao mundo virtual por conta da pandemia da Covid-19. O maestro e sua batuta, que antes dividiam o palco com mais de 60 músicos, agora regem o grupo a distância. Diante de um novo cenário, a OSP aderiu às redes sociais para continuar levando suas apresentações para o público, com a possibilidade de alcançar pessoas no mundo todo – mas isso não significa que tudo são flores, ou melhor, música. A Sinfônica também está enfrentando diversos obstáculos para atravessar essa fase sem os concertos presenciais.

“Tem sido um desafio, não só para a OSP, como para todo o setor artístico que depende do palco, do público, da sinergia entre a apresentação artística e a plateia. Houve até um movimento internacional que aconteceu no início da pandemia, que defendia que não se deveria aceitar que a arte (da natureza que estamos falando) acontecesse em outras condições que não em um palco, em um teatro, usando o slogan em francês “ceci n’est pas un théâtre”, com a foto de um computador que tinha em sua tela um palco. Com o passar de algumas semanas, todos já estavam mudando o discurso, pois com a sindemia causada pelo surto da Covid-19, a classe artística se viu atada, sem poder receber seus proventos. Ou seja, foi por necessidade não só de manter o emprego dos músicos, mas também de não abandonarmos o nosso público, pois, por conta do atual momento, a arte tem se mostrado mais necessária do que nunca no que concerne atenuar os impactos psicológicos da atual conjuntura social, da saúde e da política, que assola nosso país e, de certa forma, o resto mundo”, disse o diretor artístico associado da OSP, o violoncelista piracicabano André Micheletti.

Em 2020, com o afrouxamento das restrições do Plano São Paulo de combate ao coronavírus, a Orquestra fez quatro concertos presenciais no Teatro Municipal Dr. Losso Neto, seguindo os protocolos de segurança de acordo com a fase em que Piracicaba estava. Neste ano, por conta do agravamento da pandemia, a OSP ainda não se apresentou presencialmente e o futuro das atividades segue indefinido. “Ainda é tudo muito incerto, quer seja da ordem pública, da subvenção pública, quer seja o montante proveniente das leis de incentivo à cultura. Estamos mantendo nossos concertos online, porém, não sabemos até quando teremos fundos para essas atividades. Os músicos gravam suas partes separadamente, cada um dos seus respectivos lares, e montamos todos esses concertos, com a orquestra completa ou cada uma das famílias (cordas, madeiras, metais e percussão). Mas, o ponto central, é que não temos a garantia das atividades da OSP para o restante do ano, seja remotamente ou ocupando os palcos, dependendo da flexibilização sanitárias das novas fases”, explicou André, que também é professor do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo).

 

APOIO E NOVOS PROJETOS

Diante deste cenário de indefinições, principalmente para o setor cultural, André Micheletti tem buscado o diálogo com a SemacTur (Secretaria Municipal da Ação Cultural e Turismo de Piracicaba), vereadores, entre outras autoridades, sobre a manutenção das atividades da Orquestra, além de outros projetos envolvendo a educação municipal. “Desde o início da sua reformulação, a OSP incluía um grande plano de ensino musical atrelado às atividades artísticas, seguindo basicamente o “El Sistema”, que envolveria pelo menos todas as escolas musicais de Piracicaba. Infelizmente, tudo isso tem um custo, que em minha opinião não é um gasto e sim investimento público. Tivemos uma ótima receptividade da nova administração municipal, nas reuniões com o novo secretário da Ação Cultural, Adolpho Queiroz, e também com alguns vereadores da Câmara Municipal de Piracicaba. Para mim, foi uma grata surpresa encontrar pessoas que mesmo tendo visões diferentes de estado, de aplicação da verba pública para a artes, tratam com muita seriedade e respeito o fazer artístico e sua importância na formação e no bem-estar público”, contou Micheletti, que tem duplo doutorado em violoncelo e violoncelo barroco pela Indiana University, em Bloomington, nos Estados Unidos.

PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

Em março de 2020, a Orquestra Sinfônica de Piracicaba, considerada a orquestra com maior tempo de atividade no país, completou 120 anos  e em dezembro foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Município pelo Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba). “A cidade reconhece essa senhora e seus 121 anos como um patrimônio não só de Piracicaba, mas do Brasil.. Para nós, que estamos hoje à frente da orquestra, é uma questão de sabermos que todos aqueles que estiveram e para aqueles que estarão à frente da OSP no futuro, tenham um pouco mais de tranquilidade na gerência e o reconhecimento de todos que sempre lutaram para que ela continuasse existindo Bem como a garantia para o povo piracicabano, de que parte de sua cultura e sua produção cultural desses últimos 120 anos está e se manterá viva. Não nos esqueçamos que tivemos nesses últimos anos vários conjuntos musicais importantes e que deixaram de existir, como a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, a Orquestra da Rádio e Televisão Cultura, entre tantas outras”, disse.

O CENÁRIO CULTURAL NO BRASIL

O pensador francês Fréderic Bastiat lança o questionamento ‘deve o estado subvencionar as artes?’, no quarto capítulo de seu livro, ‘O que se vê e o que não se vê’,  que trata do teatro e das belas artes. Muito tem a dizer a favor e contra. Pode-se afirmar, a favor do sistema de subvenção, que as artes engrandecem, elevam e embelezam a alma de uma nação, que elas afastam as preocupações materiais, desenvolvem o sentido do belo e têm ação direta e favorável sobre os costumes e até mesmo sobre a indústria. Ele pergunta o que seria da música, na França, sem o teatro italiano e o conservatório. E da arte dramática, sem o teatro francês, da pintura e da escultura, sem nossas coleções e nossos museus. Isso foi escrito para uma França do século 19, que só se mantém viva e pulsante graças as suas subvenções, graças ao estado”, falou.

O que teria sido do Conservatório Nacional, da Ópera de Paris, do Museu do Louvre sem os fundos do governo francês? Hoje o Museu do Louvre, graças a essa política pública, levanta o mesmo valor que nele é investido pelo governo. Gostaria que pensássemos sobre as leis de incentivo à cultura, que deveriam estar aí também para apoiar, auxiliar na manutenção do que é público em relançar às artes, para promover as artes ao invés de ser aquilo que vem para substituir os fundos estatais, públicos da manutenção das artes. As leis de incentivo à cultura não são e não devem ser um argumento que desonere o estado da responsabilidade dar suporte às artes, porque se assim for estaremos sujeitos aos quereres da indústria da cultura, e aí adeus à nossa identidade”, complementou Micheletti.

 

APRESENTAÇÃO

No próximo domingo (25), às 20h, o naipe de cordas da OSP apresenta o primeiro movimento de “Holberg Suite, Op.40”, composta originalmente para piano em 1884 por Edvard Grieg (1843-1907) e um ano depois transcrita para a formação em cordas, forma pela qual é mais conhecida hoje. A apresentação pode ser vista no canal do YouTube da Orquestra ou nas redes sociais, Facebook e Instagram. “Já que temporariamente nem artistas e nem o público podem ir aos teatros ou a qualquer outra forma de apresentação artística que gere aglomeração, pedimos a ajuda de todos para assistirem, comentarem, compartilharem nossos vídeos e nossas ações online. Sim, ‘ceci n’est pas un théâtre’, porém é a forma que nós achamos neste momento de fazer e compartilhar nossa arte”, finalizou.

 

(Fotos: Rodrigo Alves).


 

 

 

 

 

 

 

 

Carol Castilho é jornalista, freelancer e co-editora do Diário do Engenho.

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