Animais errantes – por Letícia Penteado Gaspar

(Este texto relata um fato que se encaixa perfeitamente em uma curva de Gauss. Se o leitor não a conhecer, entenderá – ao final da leitura – o que quero dizer).

Segundo informação extraoficial, Piracicaba tem 30.000 animais errantes oriundos de abandono e de reprodução descontrolada. Diante desse fato, quem se importa com essa situação sempre tenta ajudar de alguma forma – e eu, como sempre, engajada na causa, resolvi fazer uma campanha “voluntária solitária”, resgatando alguns gatos de áreas públicas e levando-os para serem castrados.

Quando, no entanto, se trabalha com um propósito série e se é pró-ativo, tudo acaba acontecendo em dimensões exacerbadas. Não fugindo à regra, acabei sendo envolvida na seguinte situação: um gato errante foi atropelado numa manhã – e, diante do fracasso do órgão público chamado para resgate do animal, o gatinho foi se abrigar dentro de um bueiro.
Devido à característica anteriormente citada “pró-atividade”, resolvi chamar os bombeiros para resgate do animal (vale destacar que os bombeiros são profissionais extremamente educados e solícitos – e, nesse momento, e só nesse momento, senti que o dinheiro público estava sendo bem empregado, devido à presteza e eficiência desse órgão). Infelizmente, a captura não deu certo, pois o animal acabou entrando em outra galeria subterrânea durante a manobra.

Até o momento, todos os comerciantes e moradores do local sabiam da condição do animal atropelado, mas atitude? Nenhuma. “Bombeiros no local?” Ah, isso merece atenção e aglomeração… E tive, nesse cenário, a infelicidade ouvir de uma senhora a seguinte afirmativa: “tanto ser humano para socorrer e tanta gente em cima de um gato”.

Depois de digerir parcialmente a frustração de não ter conseguido resgatar o animal, respirei fundo e declarei à senhora: “tantas pessoas em cima de um gato? Pois talvez para essas pessoas uma vida importe. E a senhora, agora, está fazendo o que para ajudar a vida de um ser humano?” Não coloco em cheque a importância e valorização da raça humana, só acho que se cada um for pró-ativo no que lhe importa e tomar atitudes com “a” maiúsculo (mesmo!), não esperariam os bombeiros chegarem na manhã seguinte – e o mundo seria melhor.

Com relação à curva de Gauss? Observe a figura de uma e veja: o pico é a média, as pessoas que só se importam consigo mesmo e com sua espécie (as que abandonam os animais que acabam sofrendo acidentes nas ruas, as que esperam atitude do próximo para resolver um problema). Nas extremidades estão os que saem da média: bombeiros, as pessoas que se importam com outro ser (mesmo que seja um gatinho atropelado) e as que trabalham para que esse número de 30.000 animais errantes seja reduzido. E eu continuo rezando para que as pessoas saiam do conforto da média.

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Dra. Leticia Penteado Gaspar é médica veterinária com residência em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais, pós graduada em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais e em Oncologia Veterinária.

(texto publicado originalmente na Gazeta de Piracicaba, em 9/11/2014)

[gatinho abandonado na Rua do Porto – foto: Alê Bragion]