Alienação Política e Fundamentalismo Religioso

Alienação Política e Fundamentalismo Religioso

A redução e utilização da religião a um mero instrumento de controle e manipulação social, tem sido uma prática ainda muito constante nas sociedades contemporâneas. A religião acessa dimensões profundas do humano, remetendo ao que é considerado culturalmente mais sagrado e elevado. Por isso guarda uma força simbólica, que pode tanto promover processos de libertação quanto de opressão e exploração.

Em uma vida marcada por tantas mazelas, tantas tristezas, tantas dores e sofrimentos, a esperança na transcendência passa a ser o único refúgio para que a existência tenha algum sentido. Diante de uma realidade caracterizada por ausências e privações de direitos, a promessa por prosperidade e retribuição a partir da fé desponta como uma tábua de salvação, uma última e derradeira esperança, que aponta para um horizonte ilusório de possibilidades.

A programação religiosa, tanto na televisão quanto no rádio – com novelas, filmes, séries, entrevistas e demais programas –, tem assumido um acentuado tom fundamentalista, apresentando leituras e interpretações literais, ao pé da letra, desprovidas da mínima fundamentação teológica, sem nenhuma exegese e pobres em hermenêutica. Nessa linha, as narrativas religiosas aparecem descontextualizadas e desfiguradas historicamente, perdendo inclusive o sentido e a força da própria mensagem original.

O desemprego, o não acesso aos direitos de cidadania, o contexto de uma violência cotidiana, a situação de insegurança alimentar e de fome. Por fim, as limitações impostas por uma vida demarcada pela dureza da pobreza, passam a não ser compreendidas a partir de suas reais causas: a política econômica neoliberal. Em um processo de profunda alienação, a leitura fundamentalista da religião oferece respostas mágicas, desprovidas de qualquer sentido sociológico. A promessa feita é que, mediante a oração vibrante, fervorosa e o pagamento sistemático de dízimos, todos os males serão suplantados, em uma lógica de retribuição e muita prosperidade material.

Por meio de um discurso religioso eloquente, porém, extremamente frágil, superficial, carente da mais básica fundamentação teológica e profundamente manipulador, as situações cotidianas, que denotam evidente injustiça, são então descoladas de suas reais causas e passam a ser explicadas unicamente por meio da ação do maligno, que atua livremente em um mundo sem fé. A resposta fundamentalista é que a pessoa deve se apegar à fé, frequentando os cultos e pagando, fielmente, seus tributos religiosos. Somente essa prática de fé redundará em retribuição divina, que consistirá em uma vida de plena prosperidade de bens.

Ora, as tragédias sociais decorrem da ausência ou insuficiência de políticas públicas, a garantirem o acesso aos direitos de cidadania, possibilitando que a vida seja plena em digna.  Diante de uma lógica na qual as riquezas produzidas ficam concentradas nas mãos de alguns poucos, em um cenário de profunda injustiça social, a religião deve assumir uma perspectiva profética, nunca compactuando com sistemas que geram opressão e exploração. Com a coragem da verdade, a profecia religiosa contempla sempre uma dinâmica de denúncia de toda injustiça e de anúncio da utopia de um novo tempo, no qual reinará a justiça e o direito.

A visão fundamentalista distorce e empobrece a mensagem religiosa, reproduzindo a religião como ópio do povo. Mas a religião pode assumir uma perspectiva libertadora, como já aconteceu em alguns momentos da história. A experiência religiosa, quando ancorado em uma reflexão teológica coerente, profunda e comprometida com os princípios fundamentais de justiça e direito, acaba por apontar caminhos de libertação, na direção de se construir uma sociedade fraterna, que seja justa do ponto de vista social e ambiental.

 

 

 

 

Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.

adelino.oliveira@ifsp.edu.br

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