Os defensores da economia de mercado, chamados de neoliberais, sempre procuram convencer a população de que tudo que é privado é muito melhor do que aquilo que é público. O argumento consiste em afirmar que se o Estado privatizar o que é público – escolas, estatais, hospitais, rodovias, sistema de transporte, teatros e até parques – o setor privado administrará com eficiência. A dinâmica da concorrência possibilitará mais qualidade e menor preço. Já sabemos, por experiência, que isso não passa de uma grande falácia.
Quando ministrava aula de ética em curso de administração, ao perguntar para o jovem aluno para que serve uma empresa, ele não titubeava em responder: para gerar lucros para seus donos. A questão da responsabilidade social e ambiental era sempre tema de muito debate e contestação. Entender que uma determinada empresa privada, para além da geração de lucros, cumpria também um papel social era um processo dificílimo para muitos estudantes.
O Estado não pode ser comparado a uma empresa, pois não existe para gerar lucros. O Estado existe para, por meio da política, organizar a sociedade, garantindo direitos. Em um contexto de sociedades realmente democráticas, o Estado atua para ampliar os direitos de cidadania, promovendo justiça social e equidade. Aliás esse é um ponto central, democracia significa, sobretudo, uma sociedade profundamente inclusiva, com justiça social e plenitude de cidadania. Cabe ao Estado, mediante políticas públicas, criar mecanismos de proteção às parcelas mais vulneráveis da população.
Ignorando a razoabilidade desse entendimento político sobre a função do Estado, há uma forte pressão sobre os governos, por parte dos operadores do mercado, para que avancem em processos de privatizações, deixando com que o setor privado esteja livre para definir as dinâmicas da economia e do gerenciamento dos lugares públicos. Debate-se até a privatização de parques e praças, para que sejam explorados comercialmente. Literalmente loteia-se a cidade ao setor privado, não com o objetivo de assegurar e ampliar direitos, mas sim visando potencializar lucros.
É urgente um projeto de sociedade que tenha como meta fundamental a construção do bem coletivo, superando às profundas injustiças sociais e ambientais, fundando uma sociabilidade que seja capaz de fortalecer e ampliar os direitos de cidadania. Somente o Estado, forte e atuante, tem condições de construir e garantir uma sociedade atenta aos direitos humanos, ecológica e socialmente justa, na qual todos os cidadãos, sem exceção alguma, sejam reconhecidos em sua dignidade humana. Tal concepção profundamente ética e política, pautada nos princípios de justiça, equidade e direito, o setor privado não tem interesse nem condições de promover.
Os interesses de alguns, verbalizados pelo setor privado, não podem se sobreporem a um projeto coletivo de sociedade. O Estado deve sempre atuar na garantia da democracia e dos direitos de cidadania, tendo o primado da justiça como referência inegociável. O grande desafio do Estado consiste em criar estruturas sociais e econômicas que assegurem vida em abundância para todos e todas, em plena harmonia com a natureza. Alguém pode dizer que isso tudo não passa de um sonho utópico, algo impossível de se alcançar. Mas a política existe justamente para isso, construir o inédito viável.
Adelino Francisco de Oliveira. Doutor em Filosofia. Mestre em Ciências da Religião. Professor no Instituto Federal, campus Piracicaba.