A pandemia impôs o reposicionamento de inúmeros aspectos do nosso cotidiano. Viver num mal-estar social e econômico abalou uma série de valores daquilo de que tínhamos certa dose de certeza, o que pede significar perdas e mesmo resgatar o desejo de prosseguir.
Nesse cenário, psicanalistas vêm atendendo a distância, recorrendo à web tanto na continuidade de tratamentos como no início de novos. Mesmo de longe, o encontro analítico preserva sua essência presencial: nele é mantida a fala e a escuta transformadoras na construção de um sentido que dê lugar à dor emocional.
Temos tido retornos expressivos nos tratamentos assim praticados. Em particular no enfrentamento do desamparo e do desgaste emocional de adolescentes: na análise desses jovens instala-se um ponto de presença num cotidiano pautado por enorme instabilidade. A angústia está sempre presente nessa faixa etária. É preciso lidar com definição identitária, descoberta de fantasias e orientação sexuais – algo não tão simples. E com as atuais medidas de reclusão e isolamento, que restringem as convivências a aulas online e redes sociais, tem se constatado uma maior pressão sobre os jovens.
Na transição para a idade adulta ganha protagonismo a participação em tribos que estabeleçam redes relacionais entre pares, na construção de um novo rol social. Para o adolescente não faltam desafios nessa busca de pertencimento a partir de padrões que ele cria, até porque, muitas vezes, ele não aceita que não consiga alcançá-los. É quando a dificuldade em suportar frustrações surge como potencial transtorno.
Dá para elaborar e compreender as origens das nossas angústias se nos dispusermos a falar delas. Atos de efeitos danosos – às vezes irreversíveis, como o suicídio, tão drástico quanto tão pouco discutido – representam uma recusa à palavra. São um fazer que substitui um dizer. Na dor, falar dela, elaborar um sentido, é o fundamental. E na análise não se trata apenas de falar, mas dizer-se a um outro: mais relevante do que o dito é a presença de alguém que reconheça nessa narrativa a busca de significados. A escuta na psicanálise tem justamente esse propósito.
Se o sintoma é a expressão de um adoecimento que paralisa, a análise pode promover no sujeito uma mudança de posição: a arma é mobilizar o desejo contra o sintoma. “A angústia é o afeto que não engana”, indicou Lacan. Sinal não de um mal-estar (patologia), mas de um estar mal. Mais exatamente, a angústia inscreve nossa condição desejante!
O discurso do sujeito que busca a psicanálise é acolhido no que esse dizer traz de significativo, pontuando-o, fazendo regressões no que tal contar de si tem de atualizador da própria estrutura. Daí o considerável ser aquilo que vai além da fala do sujeito, onde se identifica uma realidade para dar lugar a esse vazio em que ele se vê enredado: uma escuta que busca ouvir o não dito, projetando um deslocamento para um porvir.
Heitor Amílcar é psicanalista e membro do Instituto Vox de Pesquisa em Psicanálise – São Paulo.
(Contato – whatsapp: (11) 9 9815-1345 – email: hei.amil@gmail.com)
Don Heitor, o artigo é plural e não restrito aos adolescentes, atinge a todos de forma devastadora. Nos torna iguais e universais
Graças ao seu fidalgo (e preciso) comentário, Rey! Vc tem toda razão. Os termos do acolhimento exercido pela psicanálise aí descritos se dirigem a qq idade. Contemplo nesse caso os jovens por considerar que, neste dramático momento brasileiro, a incidência do silenciamento de si talvez recaia sobre tal faixa etária de modo particularmente siderante. Grande abraço!