“A intenção era prestar homenagem a alguém que lutou contra a ditadura militar, foi torturado e morto…” – depoimento do ex-vereador VANDERLEI DIONÍSIO

“A intenção era prestar homenagem a alguém que lutou contra a ditadura militar, foi torturado e morto…” – depoimento do ex-vereador VANDERLEI DIONÍSIO

Grande número de municípios brasileiros possui uma Avenida 31 de Março. Piracicaba não é diferente – a não ser pelo fato que é cortada por um viaduto que leva o nome justamente de um dos jovens torturados e mortos pelos militares do golpe de 31 de março de 64.

***

A ideia de homenagear o estudante Hyroaki Torigoi surgiu no início do mês de julho de 1996, durante o recesso parlamentar, numa conversa na presidência da Câmara dos Vereadores, pela qual eu respondia. Essas reuniões eram constantes com a equipe de diretores, servidores e assessores do meu mandato como vereador. Nelas se organizava a agenda da Câmara e, paralelamente, a minha agenda como vereador. Numa dessas conversas, envolvendo o assessor Osvladir Júlio, Mauro Rontani, Clóvis Vaz e o jornalista Miromar Rosa, surgiu o assunto da ditadura – porque todos tinham as suas próprias experiências como militantes políticos.

Falando sobre os crimes cometidos pela ditadura, foram citados nomes de jovens que militaram, foram torturados e mortos nesse período difícil, marcado pela forte repressão militar, com centenas de mortes – na época, os chamados “desaparecimentos”. Nesse ano, tinha se falado no nosso gabinete sobre o nome da avenida 31 de Março. Havia um debate do pessoal mais progressista de se mudar o nome, porque era “uma homenagem à ditadura” ou ao regime militar. Lembro-me em conversa com o prefeito Adilson Maluf de que isso não procedia. A escolha, segundo Adilson, foi meramente casual.

Retornando à conversa com a assessoria e diretores, Clóvis Vaz sugeriu denominar o viaduto sobre a avenida 31 de Março. Ou seja, se foi uma homenagem ao período da ditadura, a nossa proposta era “passar por cima”. O Osvladir contribuiu porque tinha lido sobre o Hyroaki Torigoi no livro “Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964”, prefaciado por D. Paulo Evaristo Arns e lançado um ano antes – 1995. Daí, foi lembrado que, mesmo tendo nascido em Lins (SP), Torigoi veio morar em Piracicaba. Foi um dos jovens torturados e mortos pela ditadura militar. Ele integrava o Movimento de Libertação Popular (Molipo), sendo estudante do quarto ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Surgiu, então, a ideia de homenageá-lo num próprio público. Foi pesquisado e realmente ainda não havia sido denominado o viaduto sobre a avenida 31 de Março. Depois de tomada a decisão interna no Gabinete, resolvemos ir falar com a família de Hyroaki, na intenção de prestar uma homenagem a alguém que lutou contra a ditadura militar, foi torturado e morto – mas contribuiu no processo de redemocratização do país, que veio a ocorrer anos depois. Num primeiro momento, a família concordou, dando o seu aval para a homenagem, o que foi ratificado posteriormente com a apresentação do projeto de lei nº146/1996, que foi transformado na Lei Municipal nº 4.112/1996, denominando o viaduto da avenida Dr. Paulo de Moraes, entroncamento das ruas Prof. Lauro Alves Catulé Almeida e Visconde do Rio Branco, sobre a avenida 31 de Março. A lei foi assinada pelo prefeito Mendes Thame. Não houve no plenário da Câmara Municipal discussões a respeito. O projeto foi aprovado por unanimidade. Houve, sim, o entendimento dos vereadores da época, numa conversa minha com os pares, de que era justa a homenagem ao jovem Hyroaki Torigoi.

 

 

Nota dos editores: Hyroaki Torigoi cursava Ciências Médicas na Santa Casa de São Paulo quando foi preso, torturado e morto no DOI-CODI em São Paulo, em 1972. Militante da Molipoe e Ação Libertadora Nacional, sua morte recebeu uma falsa versão dada pelos órgãos de repressão que a justificaram em função de tiroteio que ele teria travado com policiais militares, após receber voz de prisão. Hyroaki foi enterrado como indigente no Cemitério de Perus, sob nome falso, e seus restos mortais nunca foram recuperados, permanecendo, assim, como “desaparecido” para a Comissão Nacional da Verdade. No Brasil, existem hoje 918 cidades e logradouros que levam o nome de ex-presidentes militares da época da ditadura. Em Brasília, após uma batalha legal e política que estendeu por mais de 7 anos, uma ponte sobre o lago Paranoá, que levava o nome de Costa e Silva, teve sua denominação alterada, em 2022, para Honestino Guimarães, estudante da UnB preso, torturado e considerado desaparecido.

 


Vanderlei Dionísio, 65, vereador (gestões 1988, 1992, 1996/2000), presidente da Câmara Municipal de Piracicaba (1995/1996) e secretário municipal de Turismo (2001/2003).

(Foto: Wanderley Garcia).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *