A pandemia da Covid-19 continua avançando, sem dar trégua. No Brasil, já ultrapassamos a triste e dramática marca de mais de 200 mil mortos. É um número de guerra. Um extermínio em massa, um genocídio que atinge principalmente os mais pobres. A explosão do ciclo de contágio coloca em evidência que a saúde da população continua em risco. A preservação de vidas deveria ser a principal preocupação do poder público e dos governantes.
Muito antes de se espalhar enquanto vírus e vitimar tantas vidas, a Covid-19 envolveu o país em um debate confuso, tomado por Fake News e muita desinformação. Dizem que uma das estratégias mais importantes em uma guerra consiste em conhecer bem o inimigo e seus movimentos. Neste ponto, em decorrência do ambiente político interno, dominado por uma política de morte, o Brasil já saiu em desvantagem no enfrentamento à pandemia. Por aqui, sempre vicejaram a desinformação, a manipulação e o jogo de interesses dos mais obscuros.
Como consequência direta das ações desencontradas por parte do governo federal, que assumiu uma postura negacionista e refratária diante da letalidade da Covid-19, o país foi tomado por um ambiente de ceticismo, mentiras e muitas incertezas. Sem orientações claras e seguras e sem contar com uma política de saúde pública bem estruturada, a população ficou desorientada e abandonada a própria sorte.
Sob a égide de visões negacionistas, obscurantistas e fundamentalistas, o país mergulhou em debates e questionamentos inusitados e surreais, inclusive assumindo a defesa de atitudes em aberta oposição às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A defesa da eficácia da Hidroxicloroquina talvez seja o exemplo mais lapidar do nível de desinformação e alienação que parcela da população chegou, guiada, pasmem, pelo próprio governo federal. A recusa constante em não fazer uso de máscaras e álcool gel, bem como a difusão de ideias contrárias às medidas de isolamento e distanciamento sociais também se destacam como responsáveis por tudo que a população está vivendo, sem nenhuma luz no horizonte.
O ápice do culto à mais profunda ignorância aparece agora no debate enviesado sobre a vacina, que é a única maneira conhecida de se combater e erradicar uma pandemia. Há toda uma movimentação, liderada novamente pelos gestores nacionais, em torno da ideia de que não se deve universalizar o processo de imunização, pois as pessoas devem ter a liberdade de tomar a vacina ou não. Negar o isolamento, as máscaras e agora a vacina já se revelou como um caminho inviável e estúpido, que contempla um custo humano insuportável. A imunização apresenta-se como condição para que diversas pessoas possam continuar saudáveis e, no limite, vivas. A vacina é um direito que deve ser garantido a todos, via Sistema Único de Saúde (SUS).
Está mais do que provado que o enfrentamento da pandemia da Covid-19 exige medidas contundentes, tanto por parte do Estado quanto por parte da população. Com velocidade surpreendente, a contaminação do vírus tem avançado, levando ao colapso o sistema de saúde e resultando em muitas mortes. O país se encontra diante de um evento extremo, que desafia a sociedade a forjar novas estruturas, profundamente solidárias e includentes, que tenham a vida como a grande verdade sagrada. Esse me parece ser o ponto: a única decisão eticamente possível é aquela que coloca, seja qual for a circunstância, a vida em primeiro plano.
No contexto local, no município, a formação de um grande comitê permanente, centralizando e orientando ações fragmentadas desponta como uma estratégia importante. A ordem do dia deve ser salvar vidas. É fundamental o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à saúde que priorizem a efetivação de ações preventivas, educando a população para a saúde e fomentando uma cultura de vida saudável. A gestão na área da saúde deve primar pela transparência, erradicando toda forma de manipulação e clientelismo. A política neoliberal de corte de gastos não pode colocar em risco o acesso universal à saúde. A vida é o bem maior de cada cidadão, a função prioritária do Estado é justamente zelar por esse bem, criando estruturas de saúde que possibilitem que todos tenham vida, com qualidade e abundância.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.