A falsa crise do mercado financeiro em meio à pandemia do Coronavírus – um debate.

A falsa crise do mercado financeiro em meio à pandemia do Coronavírus – um debate.

Em 1936, o professor da Universidade Columbia e escritor marxista Leo Huberman escreveu o incrível livro “História da Riqueza do Homem.” Nesse livro, gosto da abordagem que está no capítulo 10 – no qual, em determinado momento, o autor reproduz a fala de um reverendo anglicano defendendo a classe empresarial no momento da segunda revolução industrial, dizendo que os trabalhadores tem uma vantagem sobre os empresários industriais. Os trabalhadores, depois de um dia de trabalho duro, podem dormir, mas os empresários não teriam esse direito, pois as preocupações com a produção com a geração de novos negócios para garantir a continuidade da empresa impediriam os empresários de desfrutar da dádiva de dormir, que apenas os trabalhadores possuiriam.

Os donos do poder sempre terão interlocutores que vão se utilizar da retórica bem construída para defender seus interesses. Logo abaixo, vou relatar o trecho de um artigo escrito por um jornalista que está a serviço do mercado financeiro. Nele, se mostra a mesquinhez dos bancos mesmo em meio a uma das piores pandemias já vivida pela humanidade. Nesse texto, ele faz uma reclamação acerca de dois Projetos Lei (PL) que estão tramitando no congresso e que, de alguma forma, na visão dele, prejudicam o mercado financeiro.

Após fazer a leitura desse artigo, preparei uma resposta criticando a postura e interesse dos bancos, ignorando a real necessidade da população brasileira.

Vejam abaixo:

Quem avisa amigo é: Congresso semeia problema nos bancos

(tomei a liberdade de omitir o nome do autor deste artigo)

Vários projetos de lei tramitando no Congresso ameaçam deteriorar os fundamentos do sistema financeiro brasileiro, semeando problemas num dos raros setores que permanecem sólidos em meio à crise.

As medidas afetam a receita, o provisionamento e a carga tributária dos bancos sob o pretexto de combater a pandemia, mas suas consequências nefastas não estão sendo apreciadas com responsabilidade pelo Congresso.

O PL 1166, do Senador Álvaro Dias, quer limitar o juro do cheque especial e do cartão de crédito em 20% ao ano, além de impedir os bancos de reduzir os limites de crédito que vigoravam em fevereiro.

Em vez de ampliar o acesso ao crédito, o efeito será o de secar a oferta, na medida em que os bancos vão retirar linhas para proteger seu balanço.

Outro PL — aptamente numerado 911 — propõe anabolizar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 20% para 50%.

É fácil não simpatizar com os bancos: o custo do dinheiro no Brasil é muito alto, e muita gente não perdoa os lucros bilionários. Mas os bancos já pagam mais imposto do que qualquer outro setor da economia: enquanto a alíquota efetiva da indústria é de 34%, nos bancos ela é de 45%.

A própria CSLL já foi aumentada em março, de 15% para 20%.

Uma terceira proposta — o PL 675 — proíbe aos bancos negativar o cliente que parou de pagar o que deve e suspende execuções judiciais cíveis propostas contra consumidores. Como isso era ‘pouco’, o PL faz a medida retroceder a janeiro, dando uma colher de chá até a quem parou de pagar antes mesmo da pandemia acontecer. (Este afago já foi aprovado na Câmara e no Senado.)

Finalmente, uma quarta proposta impede os bancos de cobrar o que emprestaram a empresas que já estavam em recuperação judicial, além de obrigá-los a liberar as garantias dadas por estes devedores.

A consequência prática deste conjunto de medidas será infectar o sistema bancário com créditos de má qualidade e restringir (em vez de estimular) a concessão de crédito, na medida em que os bancos jogarão ainda mais na defesa, no pequeno campo de manobra que ainda lhes restará.

Dizem que um banco bem administrado é o melhor negócio do mundo, e os brasileiros estão entre os melhores. Sucessivas crises econômicas ajudaram o Brasil a melhorar sua regulação macroprudencial, produzindo um dos sistemas mais sólidos do mundo. Mas nenhuma blindagem é imune a um maçarico populista trabalhando 24 horas por dia.

Bancos precisam de duas coisas para funcionar bem: depósitos e capital. Os depósitos todo mundo sabe de onde vem, mas o capital é menos compreendido. Para cada R$ 100 que o banco empresta, ele precisa ter R$ 11 de capital. De onde vem esse capital? Principalmente do próprio lucro dos bancos.

Hoje, de cada R$ 100 que um banco brasileiro lucra, R$ 45 já vão para o Governo. Dos R$ 55 que restam, em tempos normais os bancos distribuem cerca de um terço e retêm os outros dois terços para fortalecer sua base de capital.

Mas por que reinvestir num negócio cujo retorno agora é menor que o custo de capital? No primeiro trimestre, o retorno recorrente sobre o patrimônio do Itaú ficou em 12,8%; o do Bradesco, em 11,7%. Nos mercados internacionais, se forem levantar uma dívida de longo prazo, os grandes bancos hoje pagariam entre 11% e 12% — em dólar.

Aparentemente, faz semanas que a Febraban tenta explicar aos senadores as implicações das propostas, mas, segundo o relato de Lauro Jardim, o presidente do Senado se recusa a receber o representante da entidade.

Como são absurdas, é improvável que essas ideias se tornem realidade. Os projetos em tramitação estão eivados de inconstitucionalidades e, se aprovados, vão acabar na Justiça.

O problema é o sinal que isso manda aos mercados.

Quando a pandemia acabar, o Brasil — pessoas físicas e empresas — estará afogado em dívidas. A única chance de reconstruirmos a economia vai depender do País continuar a ter uma taxa básica de juros baixa. Taxas baixas são produto da confiança, e quem constrói a confiança somos nós mesmos, por meio de nossas instituições.

Um país que fragiliza seus bancos terá que pagar juros mais altos, sufocando a economia e alimentando um ciclo vicioso que este país já viveu algumas vezes.

Hoje, o Brasil já enfrenta três crises: a sanitária engendrou a econômica, e a crise política envelopa e exponencializa as duas.

Não precisamos de uma quarta.

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MINHA RESPOSTA A ESSE ARTIGO

O texto acima expõe a realidade que interessa aos bancos, mas ele está omitindo um ponto importante na relação do estado com os bancos. A remuneração diária da sobra de caixa dos bancos (refere-se a todo volume que os bancos não conseguem emprestar, assim sobra esse valor no seu caixa), esta ação compensa o recolhimento compulsório sobre os depósitos a vista, para se ter uma ideia, essa ação custa ao estado, em 10 anos, R$ 1 Trilhão. Sem contar que os bancos combinam juros altíssimos com taxa de serviços bancários com valores acima da média quando se compara com outros países.

Claro que, dentro do modo de produção capitalista, a engrenagem não funciona sem os bancos – considerando que os bancos financiam as atividades empresarias. Na Europa ou Estados Unidos as empresas vão se financiar pagando juros de 3.3% ao ano, mas aqui no Brasil qualquer empresa que se financiar por meio dos bancos vai pagar cerca de 70% ao ano.

Mas o jornalista que fez a análise aqui reproduzida omite outro fator importante: a mentalidade empresarial atual está no espectro do que Marx chamou de capital fictício, ou seja, a riqueza não é gerada a partir da produção, mas sim a partir do próprio dinheiro no sistema financeiro. O Professor Dowbor, da PUC-SP, chama esse processo de “A Era do Capital Improdutivo” (título de seu livro). Este mecanismo financeiro fez com que os empresários deixem de investir em produção, mas se remuneram a partir dos produtos ofertados no mercado financeiro (Renda fixa, Ações, Mercado futuros etc).

Pensem comigo, antes da pandemia do Coronavirus o PIB mundial crescia em média 2.2% a.a. Mas o mercado financeiro crescia na ordem de 7% a.a. Essa diferença representa a mentalidade empresarial de nossa época.

Agora, se não há investimentos na empresa não há geração de empregos, logo, o estado fica onerado para atender a necessidade dos cidadãos que estão sem emprego, mas ao mesmo tempo a mentalidade capitalista atual (que hoje esta no poder) quer empurrar o Estado para o Estado Mínimo.

Existe um princípio na teoria econômica chamada Propensão Marginal a Consumir. Significa que toda pessoa independente do seu fluxo de renda consome. Então, veja perversidade, com menos emprego e muita oferta de produto, como o trabalhador consome?

Meus amigos e amigas, aí entra uma armadilha capitalista que gera uma sensação de dignidade. É o acesso ao crédito, essa modalidade financeira possibilita o consumo de bens de consumo e bens de capital, sem desembolsar valores a vista. Isso possibilita ofertar como garantia os ganhos salariais do consumidor que tem renda, mas não tem riqueza. Isso gerou uma consequência perfeita aos bancos que financiam essa modalidade, veja que os dados indicam que o endividamento das pessoas físicas no mundo é da ordem de US$ 200 Trilhões, contra um PIB mundial de cerca de US$ 80 Trilhões.

Essa diferença é o que o sociólogo italiano Maurizio Lazzarato vai chamar de O GOVERNO DO HOMEM ENDIVIDADO (título de um dos seus belos livros em que faz uma bela análise sociológica de como as pessoas se tornaram escravas de dividas por antecipar consumo).

Então, a reclamação do jornalista não procede, pois mesmo que todas essas leis que tramitam no congresso sejam aprovadas, a vantagem dos bancos aqui no Brasil, em relação aos outros setores da economia, vai continuar, pois os donos do poder são os bancos (os grandes representantes do mercado financeiro.)

Portanto, pergunto: qual é a preocupação do mercado financeiro em meio à pandemia do Coronavírus? A de sempre, o lucro.

Fleides Teodoro de Lima é professor de Economia e Gestão no Instituto Federal de São Paulo, campus Capivari.

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