Quem pensava já ter visto tudo sobre política no Brasil errou feio. Nada parece mais novo e aterrador no país do que a dormência encefálica do bolsonarista convicto. Nada. Nem o Papa – coitado – parece capaz de demover ou mesmo diminuir no bolsonarista de carteirinha a sua obsessão absolutamente cega por seu “mito.” E, entenda bem o leitor, não se trata aqui de paixão. Não estamos diante de um caso de amor ou de idolatria – como acontece, por exemplo, em outra seara, em relação a atores, jogadores do vôlei, cantores e cantoras etc. Nesses casos, o amor ao ídolo enche o peito de uma sensação boa, de alegria, de gratidão, de desejo ou de paz – fato que pode ser apontado como o combustível da paixão que liga o amante ao ser amado. No caso do bolsonarismo, no entanto, a liga é outra. É coisa de touro que segue o lenço vermelho (quer dizer, vermelho não, melhor mudarmos o exemplo). Refazendo: parece coisa de abdução, de reprogramação mental, de desmagnetização neurológica (se é que isso existe), de teleguiados.
É incrível. Tudo o que os próprios bolsonaristas de pia sempre odiaram nos demais políticos de antanho agora virou virtude na pele do “mestre”. Lula foi malhado como Judas, a vida toda, por escorregar nas regras básicas de concordância da língua portuguesa e em outras pontuais normatizações da gramática erudita. O mito, agora, pode tudo. A reprogramação mental que misteriosamente se deu numa parcela da população talvez tenha feito com que a capacidade cognitiva que possibilita no humano a formação de uma oração simples – com começo, meio e fim – seja vista pelo bolsonarista como algo absolutamente desnecessária, quase cafona, démodé. Na mesma linha, o uso de palavrões, de expressões chulas, de afirmações absolutamente nonsenses – e que comparativamente deixam a ex-presidente Dilma no panteão dos grandes filósofos da humanidade – agora são vistas pelos bolsonaristas como exemplares, frases de um homem “simprão de tudo,” gente como a gente.
Os filhos de Lula, acusados de todos os lados e formas, chegaram a ser tema de boatos espetaculares e muito (mas, muito) engraçados – se não fossem trágicos e criminosos. Até uma Ferrari de ouro e a ESALQ apareceram atribuídos a eles nos mais variados memes pela internet afora. Agora, la famiglia mítica bolsonarística atua livremente. Controlam a comunicação do presidente na web, exercem funções que não são suas, dão carteiradas e são indicados a cargos como o de embaixador numa boa. Tudo normal para os bolsonaristas de fé! Amém! Aleluia! Tutti buona genti. Tutti gente de bem! Mais do que aceitar, todavia, os bolsonatos reformulam seus conceitos com a mesma velocidade que seu líder os alterna. Por exemplo. Se o mito reverencia o PSL os bolsonatos votam em peso no PSL. Se o mito diz que vai sair do partido, tomate no PSL. Se o mito ficou no PSL e deu ao filho a presidência da legenda, louvemos o PSL – isso sim é que é partido. Se o mito sai do PSL, o partido sempre foi corrupto. Dá para entender?
Definitivamente, isso não pode ser amor. É doença. E das bravas. Ou é o efeito nefasto do magnetismo de algum cometa ruim que passou perto da Terra – ou coisa assim. Ou talvez os Maias estejam certos. Sim. Quem sabe o mundo acabou mesmo em 2012 e sobraram por aqui apenas zumbis. Zumbis e nós – por enquanto – não bolsonaristas que estamos tendo o nosso cérebro devorado dia a dia.
Mas tenho medo. Indagava se são de alguma tecnologia robótica alienígena – mas não, são pessoas próximas que exibem sua condição alienante sem pudor algum.