Há quem se ofenda duramente quando chamado de ignorante ou incompetente, ironicamente, por desconhecer o significado e a aplicação do termo. Ao contrário do que normalmente se imagina, ignorante é aquele que não está a par, que não tem afinidade, domínio, desenvoltura ou conhecimento sobre determinado assunto. O dicionário Aurélio diz que ignorância significa “condição da pessoa que não tem conhecimento da existência ou da funcionalidade de algo”. A etimologia mostra que ela vem de IGNORANTIA, de IGNORARE, que se traduz por “não saber”. Por isso, o termo pode não ser tão ofensivo quanto parece, afinal, não é possível a qualquer um de nós ter o domínio de causa em todo e qualquer assunto. Um médico, por exemplo, mesmo que seja “Phd” em uma determinada área da medicina, pode, perfeitamente, ser ignorante na área da carpintaria ou da mecânica, e isso não faz dele um incapaz, mas alguém que não tem especialidade em uma área distinta, que, aliás, não é a sua. Há um termo no meio jurídico que ilustra o que falo, quando um juiz se autodeclara “incompetente” para julgar determinado caso, aceitando-se, ou por falta de conhecimento profundo do assunto em questão ou por algum tipo de proximidade com as partes julgadas, incapaz ou impossibilitado para exercer o magistrado naquele caso específico. Um fato como esse não desvaloriza, desmerece ou traz status de inabilidade ao suposto juiz, pelo contrário, o enaltece, enobrece, pela lucidez de compreender que para cada tema, situação ou circunstância, existe uma pessoa adequada, capacitada.
Infelizmente, nossa sociedade desconhece essa realidade, ou se esqueceu dela. Transformou a incapacidade e a ignorância em termos pejorativos e muito ofensivos. Talvez, devido ao livre acesso à informação, a integração mundial pela internet e as redes sociais, a agilidade das notícias e a disponibilidade de “conhecimento”, as pessoas julgam ter se apoderado de certo grau de “instrução” e “competência” diante da vastidão de especificidades que o mundo traz. Os especialistas foram subjugados à “capacidade de análise” promovida pela “Googleficação” do mundo. Os mais diversos esclarecimentos estão na palma da mão, a definição, a explicação, são acessíveis aos bilhões de pessoas do planeta. Assim, a grande massa se julga especialista e conhecedora da diversidade de assuntos do mundo. Por isso, pareceres, opiniões, previsões e análises são sumariamente submetidos a “pesquisa acadêmica” feita em segundos de qualquer que seja o tablet ou o smartphone. As décadas de formação de um ou outro “Phd” é subjugada à crítica, mesmo que sem nexo, sem fundamentação ou coerência, de qualquer pessoa. Isso tudo acontece, principalmente, porque não se aceita, ou se assume, qualquer nível de ignorância sobre qualquer assunto da história, ciência ou tecnologia. A população se entende absolutamente capaz, preparada e suficiente para decidir sobre si e sobre outros, qualquer questão. Por isso, vemos engenheiros decidindo sobre saúde, advogados sobre religião, religiosos sobre política e os místicos dando a palavra final em tudo. Não se trata de negar a transdisciplinaridade do conhecimento, mas reconhecer competências.
Desta maneira, reina o poder da ignorância, ou seja, daqueles que não têm domínio sobre o que decidem e, mesmo assim, decidem e desmerecem qualquer conhecimento técnico ou científico, por mais capaz, competente e sólido que seja, pelo simples capricho de não querer desconstruir os interesses de quem pensa que é, que tem e que sabe, mesmo não sendo, não sabendo e não tendo. Isso é falta de conhecimento! Porque quem entendeu a dinâmica da ciência aprende sobre limites e especialidades e, sobretudo, sabe que a grandeza do conhecimento está no reconhecimento de seu valor, ou seja, se o outro tem mais domínio, estudo e preparo, ele é quem deve ser ouvido. É tempo de inaugurarmos um mundo livre de super heróis, super pessoas, super egos. É tempo de darmos “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Precisamos nos livrar da ignorância que impede de reconhecer que em algum grau, de alguma maneira, somos todos ignorantes e que isso não nos desmerece, mas nos enobrece, principalmente se nos ajudar a dar a quem de direito a resolução dos grandes problemas da humanidade.
Nilson da Silva Júnior é pastor e professor.