A Câmara Municipal e o silêncio dos inocentes

A Câmara Municipal e o silêncio dos inocentes

Há muito que conversar sobre o Projeto de Resolução (P.R.) 08/22, que trata basicamente de punições para “o cidadão que cometer no recinto interno ou externo da Câmara, o qual compreende a frente, as laterais, o calçamento ao entorno do prédio principal e do prédio anexo, e o estacionamento, excesso, ameaça ou ofensa contra os Vereadores ou Servidores, devidamente comprovado, será reprimido, devendo a Mesa Diretora…”. Mas, vamos juntá-lo ao P.R. 06/22, para que leitoras e leitores também enxerguem o conjunto que se está tentando ser erguida em nossa Câmara.

Na mesma 29ª. Reunião Ordinária (ocorrida no dia 30/06/22), foi aprovado o P.R. 06, do qual destaco a transferência da “Tribuna Popular” para depois da Ordem do Dia – o que poderá ocorrer após às 21 horas e 30 minutos, a depender da não prorrogação da Ordem do Dia e da não suspensão do Expediente, no qual se insere a Tribuna Popular (os dois últimos sujeitos à aprovação do Plenário). Detenho-me no mecanismo por imaginar que, como eu, possíveis leitores e leitoras desconheçam o processo e suas implicações práticas no rito e na estrutura de uma sessão camarária.

Pois bem, nas duas vezes em que ocupei a Tribuna, o propósito foi argumentar tecnicamente contra um projeto constante na Ordem do Dia (“Medalha de Mérito Estudantil Professor Olavo de Carvalho”). Ora, ocupar a Tribuna após a votação seria inútil – e, mesmo, pergunto: ocupá-la uma semana antes dos debates teria a mesma eficiência no alerta aos defensores do indefensável? Acredito que não. A lembrança do ocorrido coloca a questão: a mudança de horário não pode diminuir ou mesmo anular a contribuição de um membro da comunidade? No caso, falei contra a aprovação do tal projeto, que era o “óbvio ululante”, mas também falei a favor da Medalha Luiz de Queiroz para o Ensino Médio.  Que tipo de expediente terá que realizar o vereador ou a vereadora sensível ao argumento daquele ou daquela que ocupará a Tribuna, para que os pares possam ouvi-lo (a)?

A lembrança da minha participação é de natureza ilustrativa para as dificuldades que, salvo engano virão. Me parece uma grande perda de oportunidades de ouvir outras opiniões, experiências, mas há outras perdas. Estou entre os que podem se deslocar até o local, ocupar a Tribuna no horário pertinente (mesmo que ineficiente), não dependo de transporte público para voltar para casa em horário de veículos em número reduzido, felizmente. É nos cidadãos e cidadãs, como a senhora Daniela e seu filho, que penso e nas outras mães que ela representava. Quem é ela? Explico.

Refiro-me à oradora que ocupou a Tribuna na 11ª reunião ordinária (19 de maio/22): “Já é a terceira vez que venho a esta Casa e estou desanimada. Meu filho é deficiente, não tenho mais a quem pedir socorro. Há quanto tempo venho pedindo ajuda? Não falo só pelo meu filho, falo também por outras mães. Não tem transporte para todas as crianças. Crianças autistas na cidade não têm um tratamento legal. Trabalho todos os dias, tem dia que não como para conseguir dinheiro para meu filho. Quero que outras mães tenham transporte, não sofram o que eu sofri. É muito triste, não é fácil. Cuido do meu filho com maior amor e carinho. Não tenho condições de ficar levando e buscando todos os dias” – disse ela, em depoimento comovente feito no espaço da Tribuna Popular (registro disponível no endereço eletrônico da Câmara Municipal).

Por isso, vereadores e vereadoras, os senhores e as senhoras acham que a senhora Daniela teria facilidade para ocupar a Tribuna a partir das 21 horas e 30 minutos? E se for suspenso o Expediente? E se as mães e pais desejarem se manifestar, indignados com o reiterado insucesso dos sofridos apelos? Aplica-se o que pretende o P.R. 08/22? Criar regras que evitem ou dificultem o contraditório pode parecer cômodo, mas será justo?

Cuidado, senhoras e senhores vereadores e vereadoras, não silenciem os inocentes. O momento presente e terrível que vivemos pode até não dar a devida evidência e exposição negativa aos que propõem e concordam com mais esse silenciamento do povo em sua “´própria casa”. Mas a história, a com H maiúsculo, não os perdoará nem os poupará desse registro maculoso para todo sempre.

 

 

 

Sergio Oliveira Moraes é físico e professor doutor aposentado da ESALQ/USP

One thought on “A Câmara Municipal e o silêncio dos inocentes

  1. Mais uma vez Prof Sérgio embasado em argumentos sólidos, reais, contundentes. Nossa Câmara legisla pelos Piracicabanos e como Parlamento Aberto, mais do que coerente e óbvio que nós simples mortais pagadores de nossos impostos dele possa ter condições mínimas de participar. Vivemos uma democracia e portanto nada mais certo do que ouvir os contribuintes e eleitores, que falam não por si só, mas por grupos, bairros, setores, etc Grata Prof Sérgio por sua lucidez e dedicação ao povo piracicabano. Obs..não sei se estou reenviando. Desculpem .

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