Durante quatro anos seguidos, o país ouviu de ministros militares do então presidente Jair Bolsonaro celebrações e aplausos ao golpe de 64. Quatro anos de ordens do dia, em 31 de março, lidas nos quartéis e com ampla divulgação – quando a história do país foi recontada exaltando-se os militares, a “revolução” que propiciaram, o fato de terem “salvo” o país do comunismo, de terem garantido a pacificação interna. Ordens do dia assinadas, algumas delas, inclusive pelo general Braga Netto, agora um dos investigados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro. Houve até tentativas na justiça para se tentar barrar tais comemorações, mas não prosperaram. E Bolsonaro, que como deputado já aproveitara seus espaços para exaltar torturadores e negar que o país tivesse enfrentado algum tipo de golpe nos anos 60, fortaleceu ainda mais tais narrativas manipuladas, nas quais o que importou foi a versão de aplauso e reconhecimento aos militares contra a “baderna” e a “ameaça” da esquerda.
E aí Lula se elegeu. Não houve muita decepção quando, em 31 de março do ano passado, a data quase passou despercebida, sem festa nos quartéis. O ministro da defesa não divulgou nenhuma ordem do dia, mas, diziam os mais contidos, era início de governo e uma reação aos anos Bolsonaro viria.
O que aconteceu agora, em 2024, veio como uma verdadeira catástrofe. Lula, numa política de não acirrar os ânimos com os militares, simplesmente declarou – como bem disse um jornalista da área política – “amnésia coletiva” em seus ministérios e quaisquer órgãos de governo. Mesmo sendo uma data importante, 60 anos do golpe, nada se devia dizer, comentar, compensar neste 31 de março.
A surpresa foi proporcional à reação em cadeia. Nunca se falou tanto, nunca se pautou tanto, nunca se ampliou tanto – a partir da decisão polêmica e contraditória do atual presidente – as séries especiais, os artigos de análise e reflexão sobre o golpe de 64.
Nos quartéis, poderá, talvez, haver silêncio – sim. O silêncio oficial – porque não se apaga, com o silêncio, o que a história mais que recente indica de comprometimento militar na tentativa de se afastar e interferir em governos democráticos. Mas nas universidades, nos meios de comunicação e nas redes sociais a conversa sobre 64 fica cada vez mais forte e evidente.
A decisão de Lula – de fazer silenciar algo que quaisquer políticas sérias relacionadas com passado, história, memória e reparação, exigem – foi mais eficiente do que o bate palmas de Bolsonaro. Contradições absurdas. Será difícil aos historiadores explicarem isso no futuro.
Como acontecerá o 31 de março de 2025?
Para conhecer ou acompanhar os eventos programados entre 31 de março e dia 8 de abril há mais de 120 opções espalhadas por todo o Brasil envolvendo universidades, associações, atos públicos, exposições e mostras especiais de cinema. Acesso em: https://filhosenetos.wordpress.com/wp-content/uploads/2024/03/agenda-nacional-60-nos-do-golpe-de-1964-1.pdf
Quem prefere filmes, a dica é acessar o Canal Brasil – que do dia 1 a 3 promove uma maratona apenas com filmes sobre a temática da ditadura militar. É conferir os horários e datas em https://www.cinema7arte.com/brasil-canal-brasil-exibe-mostra-ditadura-nunca-mais-60-anos-com-tres-dias-de-maratona/
Beatriz Vicentini é jornalista e coordenadora/editora do livro “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior”. Em parceria com o Diário do Engenho, editora esta série para o site.